17 October 2009

A cidade aos pés da serra

Abre aspas. Embora com novas expectativas, a rotina (ainda) prossegue em meus dias. 20h30 de sexta, nova viagem para ministrar Estágio Supervisionado, uma das cinco confirmadas até a terceira semana de dezembro. Nova arrumação de mala, nova correria, e de novo, ônibus lotado, com duas poltronas vazias: a minha e a do meu lado. Daí pensei: oba, sorte minha! Ora, não vai ser tão difícil assim, de o tempo passar aqui.

Ledo engano! As horas se arrastaram, num espaço que desejei muito me livrar logo: dois bebês, e um deles chorando com a chupeta que eu intuí que iria sumir, de tanta algazarra que fez, tamanha sua felicidade em estar ali, seguidos de muitos casais: senhorios e senhoras de idade melhor, com conversa (fiada) sem fim, mesmo com tudo escuro.

E claro, muito barulho de dedos buscando abertura dos trocentos sacos plásticos com quitutes e lanchinhos para uma viagem de 5h apenas! E fiquei pensando como me livraria desse barulhinho tão chato. Bem, creio que se alguém inventar uma nova modalidade de sacola, que não produza efeito sonoro em locais fechados, ganhará um prêmio inovação e será reverenciado por mim e por todos os que se incomodam com coisas tão pequenas, mas chatinhas de aturar. Fecha aspas.

A chegada, enfim, aconteceu. De tanto tentar dormir, me mantive acordada e a cada parada, busquei identificar se já não estava em Ruy Barbosa. E minha memória fotográfica me fez reconhecer as árvores chapadas, da praça que circunda bancos, comércio e o Hotel Orobó- nome de todas os outras referências comerciais, em homenagem à Serra do Orobó, 950 m de altura em relação a Ruy Barbosa, e que, segundo um site não muito confiável, diz que muitas vezes a serra já foi utilizada como rampa de asa delta e para a prática do ecoturismo. Uau....precisaria conferir isso de mais perto!

- Vou descer aqui, avisa que vou descer aqui!
Alívio imediato, ao sair e sentir o friozinho noturno, o vento da serra, uma delícia.
- Senhora, tem mala?
-Sim, uma vermelha.
- Certo, preciso do seu ticket.
- Ok.
- Obrigada e boa noite.
- A senhora vai para o hotel?
- Sim, como faço? Está tudo escuro por lá!
- Fica tranquila, ao lado tem uma delegacia.

Simples assim.E lá se foi ele, seu ônibus apinhado de gente e sacolas plásticas ruidosas... fiquei incrédula, olhando em volta, no silêncio da noite, e me perguntando se estava eu numa enrascada. Falei alto:
- Claro que não!

Então, saí arrastando a mala, muito certa de que daria tudo certo, porque sempre encontro um anjo, do nada. Batendo palmas, gritei baixinho, sem querer alardear que estava sozinha e sem teto e então disse:
-Oi de casa. Nada. Ri de mim mesma, óbvio.
-Oi de casa! Desta vez mais alto...mas nenhum sinal de lá de dentro.

Segui a dica do motorista e fui até a delegacia, que estava com luzes acesas. Não avistei ninguém por lá. Mas talvez estivessem dormindo. Ou, quem sabe, o delegado ou o plantonista estivesse curtindo a tranquila noite de sexta-feira com sua namorada...será que ele tampou a boca da moça, para ela não me responder com um solícito "já vai"? Não. Chega de imaginação!

Voltei, e de novo gritei "oi de casa". Nada, nada, nada. Daí resolvi arriscar chamando a dona do hotel pelo nome, que eu não me lembrava, mas que deveria ser Dona Lúcia, Dona Rita...e comecei com um, depois com o outro e...nada.

Meu anjo apareceu, enfim. E me disse:
- Desse jeito, você não vai conseguir nada. Vou tentar do outro lado!
- Dona Raimunda??????? Tem uma hóspede sua aqui na portaria!

Ah, então era esse o nome mais cobiçado por mim, às 2h35 do sábado? Sim. Pior que eu sabia que era um nome bem simples, como ela e sua deliciosa carne do sol com aimpim.

Então as luzes se acenderam, cheguei "em casa" e o sono venceu o início de um dia muito estranho.

5 comments:

  1. Em tempo: Ruy Barbosa é a cidade do meu amigo-mano, Jonatan. Querido, querido, querido...

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  2. V. podia ter seguido com essa narrativa ótima, segurando o leitor a cada fim de parágrafo... Bem que podia...
    Abraço.

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  3. aai tia, adoreei.kkk raashei aqui de riiir ! ;DD

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  4. Lendo seu texto, só lembrei da comida maravilhosa de dona Raimunda... deu água na boca.
    Esse texto ficou uma graça! Adorei!
    Bj, Mari

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  5. Mari, Cacau e Eduardo. Vocês não imaginam o quanto curto receber comentários tão motivadores, para eu continuar com vontade de escrever mais...obrigada pela visita! Beijinhos

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