26 December 2009

A lógica dele

Para viajar basta existir.
Vou de dia para dia,
como de estação para estação,
no comboio do meu corpo,
ou do meu destino,
debruçado sobre as ruas e as praças,
sobre os gestos e os rostos,
sempre iguais e sempre diferentes,
como, afinal, as paisagens são.
Se imagino, vejo.
Que mais faço eu se viajo?
Só a fraqueza extrema da imaginação justifica
que se tenha que deslocar para sentir.
...na realidade, o fim do mundo,
como o princípio,
é o nosso conceito do mundo.
É em nós que as paisagens tem paisagem.
Por isso, se as imagino, as crio;
se as crio, são;
se são, vejo-as como às outras.
Para que viajar?
Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China,
nos Pólos ambos,
onde estaria eu senão em mim mesmo,
e no tipo e gênero das minhas sensações?
A vida é o que fazemos dela.
As viagens são os viajantes.
O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

Fernando Pessoa

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