5 February 2010

O rei momo na berlinda


Fonte: imagem liberada na internet

- Olá, boa noite!
- Boa noite!
- O senhor me leva para rodoviária?
- Sim...já está fugindo do carnaval? Sorte a sua!
Risos...
- Não, quem me dera...
- Não gosta do carnaval de Salvador?
- Gosto sim. Quem me dera já estar de folga do trabalho, desde hoje. Mas o senhor não gosta de carnaval? Tem muito bêbado invadindo seu táxi?
- Não...quer dizer, é a melhor época para se ganhar dinheiro, pois tem mais turista na cidade, mais gente com medo de levar multa por causa da bebiba...mas em compensação a festa se transformou muito...há 25 ou 30 anos atrás era uma maravilha...bandinhas, músicas lindas, não existiam camarotes...

Parecia um desabafo. Eu ouvia balançando a cabeça, obviamente concordando, afinal vivenciei tudo isso. E ele continuou sua reflexão.

- Hoje, você passa na Barra, em Ondina, na Avenida Sete...só se vê gente montando camarotes...mudou tudo...antigamente as pessoas é que faziam seus camarotes...arrumavam a varanda, faziam comidinhas, traziam as cadeiras e bancos e dava tudo certo...todos andavam à vontade pelas ruas, limpas, sempre limpas, as crianças participavam junto com os pais....me lembro que todo mundo usava máscara ou fantasias...tinha serpentina no ar, era muito melhor...hoje temos uma banda que faz sucesso que se chama Psirico, e outra que se chama Vixe Mainha! Que absurdo...
- E o senhor sabe o que quer dizer Psirico? Perguntei já entrando no clima carnavalesco dele.
- Ah, não faço idéia...nem sei se no dicionário tem essa palavra...sei que odeio tudo que eles tocam...é uma porcaria. Mas ganham dinheiro!
- Oh, chegamos...
- A senhora vai trabalhar no fim de semana?
- Sim. Estou indo agora para Seabra, na Chapada Diamantina.
- Ah...conheço Mucugê...muito lindo aquilo lá... boa viagem!
- Obrigada!

Paguei, peguei um carrinho, tentei sacar dinheiro, e não consegui. O relógio marcava 23h05. Fiquei triste porque o percurso durou pouco, no máximo 5 minutos de boa prosa.

O taxista parecia (muito) carente, querendo conversar sobre algo interessante. Penso que, como ele, as pessoas mais falantes (ou que escrevem mais) são as mais solitárias e carentes. Claro que me enquadro, nos dois grupos.

Mas apesar de pouco, foi um tempo suficiente para eu rever os últimos 39 anos de carnaval da minha vida. Inferno astral está pesadão...dia 19 acaba(rá), enfim.

Naquela época, por volta dos oito anos, eu tinha meus manos e pais juntos, em bailes num clube, lá em Vitória da Conquista.

O cenário era exatamente esse que o taxista descreveu.

Me lembro que minha mãe sempre me vestia de baiana (eu sou desde que me entendo por gente) ou havaiana, com um vestido floral, com um colar de plástico com folhas coloridas.

As fantasias das outras meninas eram sempre mais lindas: bailarinas, borboletas, cinderelas... os meninos estavam sempre de piratas ou de tarzan, sinônimo de masculinidade, força, liderança...eram e são tantos os clichês entre homens e mulheres...

As músicas, melhor as marchinhas, falavam em pierrot, colombina, que as águas iam rolar...

Mas veja: já se falava em bebedeira, mas era realmente outro mundo, outro estilo de vida e de carnaval. Era mais brincadeira do que qualquer outra coisa. Falávamos assim: vai brincar o carnaval onde? Hoje falar isso é sinal de velhice, de ter pertencido a tempos jurássicos.

Mas discordo dele, quando diz que atualmente o carnaval é péssimo. Aos 15 anos, no dia do meu aniversário, nada de valsa ou festa com vestido cor de rosa...ainda assim, foi maravilhoso: curti o meu primeiro show do Chiclete com Banana, que contava ainda com Luiz Caldas. Simplesmente contagiante! 

Já na fase adulta, tive o prazer de curtir muitos blocos e camarotes, sempre rodeada de amigos, e muitas histórias para contar na melhor idade...

Ou seja, me divirto independente do seu formato. Talvez antigamente o carnaval fosse mais poético, mais romântico. Hoje é (muito) mais profano, e mais caro, também.

Coincidências ou não, repensar o valor do carnaval é quase tão interessante quanto repensar o que mais importa viver, em tempos líquidos.

Por falar nisso, também não sei o que que quer dizer psirico, que agora reduziram para PSI, mesma sigla do curso de Psicologia da faculdade em que trabalho.

Mas agora vou descansar porque a noite promete. Terei a primeira aula de pós-graduação do ano, sobre avaliação e intervenção psicopedagógica. As águas já estão rolando, pra mim.
------------
Ah...bem lembrado. Nasci no mês 'dele': 'fevereiro, alegria, muita festa todo dia...'!

1 comment:

  1. Sintonia total entre as amigas blogueiras. Tbm já fiz minha crônica carnavalesca, só não tive tempo de postar... quem sabe hj?
    Qdo voltar me liga, vamos ver o que faremos nos dias de folia.

    ReplyDelete