29 March 2010

Na viagem do verbo amar

Avisa-se a quem interessar possa que “amar “ é verbo irregular. Não me peças seus tempos que todo tempo é marcha para o fim. Mas o amor, enquanto perdura, pode ser eterno. O presente do verbo “amar” começa no passado. Quando alguém diz “ te amo” , já começou a amar. Como o passado, também se conjuga o futuro. Quem disser “ amanhã te amarei” está dizendo que o amor já começou.

O condicional é tempo que este verbo desconhece. Você diz “vou se” “atravesso se” - e expressa a condição. Mas o amor desconhece condições. Você vai, vem, atravessa, salta obstáculos impossíveis porque ama. Imagine que alguém amaria a jovem, “se” fosse rica. Quem assim pensa, jamais amará. Porque se ama apesar da pobreza, de tudo o mais. Condições não há. Ao final, a gente nem sabe por que ama. Ao amor não se pergunta o porquê. O amor não tem lógica. A lógica não tem amor.

Para se amar, existir é a condição única. Só isso é suficiente ao vento que leva o pólen às flores do mesmo galho, aos átomos nas moléculas, às estrelas nas galáxias. Para se amar, todo condicional é supérfluo. Nasci livre para fazer na vida o que quisesse. Mas nasci condenado a amar.

Não tem condicional este verbo, nem imperativo sequer. Se amor fosse uma ordem – de fora para dentro –em sua própria essência estaria esvaziado. O amor é o imperativo que vem de dentro. É a escravidão voluntária e gostosa. Quando ela acontece, ninguém se pertence mais.

O tempo perfeito também não existe. O amor dos humanos é feito de ciúmes, briguinhas, até gostosas demais. Ao final, toda reconciliação é maior que o atrito que passou. Nisso, os que se amam fazem consigo o que Deus faz conosco: depois de cada falta o mesmo amor.

Se não há tempo perfeito, menos ainda o mais-que-perfeito. Deixemos às máquinas, aos computadores a rotina da perfeição acabada. O amor é avesso à eterna repetição do mesmo.

A mulher se renova todos os dias, diante dos espelhos, nos mil requintes da feminilidade, buscando o mais-que-perfeito que – ela mesma sabe – é tempo que jamais conjugará. E o homem acostumou-se a dela pensar que uma face resta que ainda não foi revelada. A perfeição acabada se fossilizou no passado. O amor é futuro que nunca termina de chegar.

Todos os tempos, portanto, se confundem na irregularidade do verbo “amar”. Em compensação, outros tempos restaram que noutros verbos não há. São os tempos de amar escondido, proibido, do amar inconfessável. É o verbo amar nas formas que nem se pode pensar.

Francisco Pereira Nóbrega- Os tempos do verbo Amar

1 comment:

  1. Inspiração é uma 'coisa'. Enquanto analisava uma avaliação de língua portuguesa, me deparei com essa bela reflexão. Só me resta amar...

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