26 May 2010

Telefonema divâ

- E sua vida, como está?
- Acha que foi uma escolha certa se mudar pra aí?
- Acredita que está mais feliz agora?
- Tem viajado muito para as aulas de pós?
- E o carro, já resolveu tudo? O que falta?
- Por que não aciona um advogado?
- E a vida financeira, como está?
- E o coração?

(...)
Muitos conselhos, "n" perguntas, que caberiam trocentas respostas distintas...minha vida resumida numa entrevista de 10 minutos, via celular, ligação interestadual Rio Branco-Vitória da Conquista.
Percebi que meu irmão do meio está literalmente interessado em mim. Nas mudanças que realizei, em como estou organizando a vida, pelas bandas de cá.
Sou uma soteropolitana assumida, embora apaixonada pela ideia de ser carioca da gema.
Mas foi realmente em Salvador que vivi quase tudo de mais interessante, até então, em minha passagem pela Terra: estudos, trabalhos, carnavais, verões, viagens paradisíacas...além dos amores vividos e perdidos, amigos conquistados, ao longo de mais de vinte anos na capital da Bahia.
E fui respondendo à sabatina dele, numa boa, certa de que não me julgaria, nem nunca me julgará...é preocupação fraternal, pura e sincera.
Me senti lisonjeada, óbvio, e emocionada com esse contato de primeiro grau com meu mano engraçado, querido, que ama tocar Djavan no seu violão e ler revistas científicas, vascaíno doente, pai de Lucas, cuidador de minha mãe e manos, e dentista nas horas vagas.
Mas não quero refletir tanto sobre mim. Deixei de me considerar o centro do universo desde os quatro anos de idade. Não me sinto nem bem sendo alvo de preocupações familiares, dos amigos, dos colegas, de ninguém.
Minha irmã do meio, da ala feminina, ouviu nossa conversa toda e retrucou:
- Você sempre se considerou autosuficiente.
Pode ser. Hoje sei que nunca fui. Nem serei. Nem tenho a pretensão de ser. Mas, de fato, sempre quis ser independente. De querer as coisas e conquistá-las por ter iniciativa, por mérito, por empenho, por merecimento. Não gosto de dar trabalho, de pedir favores. Na verdade, não suporto depender. E essa sensação de depender de terceiros, para resolver situações minhas, isso sim, me causa angústia, aflição, ansiedade.
E quanto mais passo horas na estrada, mais me sinto impotente. Me sinto guiada, levada, à mercê da sorte, do destino, sem nenhum controle para voltar a dirigir minha vida, meus sonhos, como sempre busquei persegui-los.
E eu que amo tanto a palavra autonomia, me sinto com menos de quatro anos, outra vez.
Ele deveria ter me perguntado também, para acabar de vez com a minha paz:
-Pra que foi mesmo que estudou tanto Piaget e Freud?

3 comments:

  1. (Crise dos 40?)
    Amiga, tem horas que a vida pára mesmo (embora Lenine diga o contrário). São momentos em que parece que nada acontece, e dá vontade de fugir de nós mesmas. Fico imaginando você, essa pessoa inquieta, ansiando por uma novidade. Dá tempo ao tempo. Tudo se ajeita.

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  2. Lalá*sobrinha30 May 2010 at 11:38

    Leu voce acha que esse poema da Clarice Lispector combina com a senhora?

    Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato…
    Ou toca, ou não toca.
    Clarice Lispector

    ps: Posso mostrar pra tio deca esse post? Acho que ele ia gostar de ler isso..Beijoss.

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  3. Patiinha, nada de crise dos 40...por ora, apenas uma baita TPM e um desejo incontido de entender meu presente.
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    Leu, pode mostrar pra seu Tio Deca. Amo você e amei a citação de C. Lispector!

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