16 August 2010

Beatles, para sempre.

Provoquei por email, e deu certo. Nem de longe imaginava que  meu querido e pequeno blog fosse ganhar um texto tão interessante. Estilo textual fazendo analogia com o saudoso 'long play', disco de vinil, com seus dois lados...
Agora entendo mais Cazuza. Entendo que toda mãe- de gente, de planta, de animal, de blog, de livro- "todas elas são felizes". E eu? Sou uma mãe blogueira muito boba. Dessas que acreditam que o seu filho é o mais incrível, mais lindo, mais talentoso....
E para aumentar minha corujice, Marcelo, publicitário famoso, cheio de premiações e criativo por demais, e que tem um blog divertidíssimo, o Consoantes Reticentes, também presenteou o Foi assim:. Me autorizou a (re) postagem de uma crônica maravilhosa, que ele mesmo resenhou dizendo ser 'uma viagem, fictícia, à mais famosa faixa de pedestres do mundo'. Revelou também que, anos mais tarde à criação deste texto, em 2008, esteve lá, na terra dos Beatles.
Chega de rodeios, apreciem e se possível, aumentem o volume com essa música de fundo, que amo de paixão 'all you need is love'!!
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Consoantes Reticentes
20 Junho, 2010

ABBEY ROAD
(Texto publicado em 2005)

LADO 1
- Vou começar bem fácil, depois a gente vai esquentando.
- Manda.
- Faixa dois do Let it Be?
- Diga Pony.
- Quantas músicas tem o Álbum Branco?
- Trinta.
- Qual o fotógrafo da capa do Rubber Soul?
- Robert Freeman.
- Quem era a Martha, da música Martha My Dear?
- A cadela do Paul McCartney.
- Quem inspirou Something?
- Pattie Boyd.
- O que Tia Mimi disse para John Lennon, quando ele comprou a primeira guitarra?
- "Você nunca vai ganhar a vida com isso".

Não tinha jeito, ele sabia tudo. Era capaz de dizer nome completo e endereço dos avós da Barbara Bach, mulher do Ringo.

Gabava-se de conhecer e catalogar, num caderninho surrado com o selo da Apple na capa, todas as mensagens cifradas e alusões a drogas do Revolver e do Sargeant Peppers. As bem manjadas e as que ele, sozinho, jurava ter descoberto. Sabia também que Paul estava vivo, e bem vivo. Ele mesmo o tinha visto num show em 1990 no Maracanã. Ainda assim conhecia 72 pistas que indicavam o contrário.

Tal pai, tal filho. E o menino, de 8 anos, ia pelo mesmo caminho.

- Quanto é 64 dividido por 16?
- Four. Como os Beatles.
- A capital da Inglaterra?
- Londres, uma cidade que fica perto de Liverpool.
- Dê um exemplo de sujeito simples.
- George Harrison.
- E de sujeito composto?
- Lennon & McCartney.

Dos discos todos, o favorito era Abbey Road - o célebre álbum com os quatro na rua homônima, passando pela faixa de pedestres. Se além de tocar o seu Abbey Road falasse, teria muito o que contar. Idas e vindas, festinhas na garagem, quedas nas mãos de bebuns, mudanças de casa. No tempo da faculdade, foi com ele pra república. Fiel escudeiro, trilha sonora de bons momentos e maus bocados. Era com ele que espantava o sono nas vésperas de prova e embalava os sonhos nas vésperas dos encontros. Cheio de estalinhos, riscado no começo do "Come Together" e no fim do "Golden Slumbers", era sempre ele que encabeçava a pilha, com o papelão da capa já esfarelando. Uma marca de copo, em cima da cabeça do Ringo, formava uma espécie de auréola. Santo Ringo, que soube segurar a onda nas brigas e ameaças de separação. De tanto entrar e sair do prato da vitrola, o furo foi abrindo, laceando, ficando quase oval. Lá pelos anos 80, quando tinha aquele 3 em 1 da National, cansou de gravar suas músicas em fitas cassete para os amigos. Uma vez foi de empréstimo pra casa de uma paquera. Voltou com uma carta perfumada dentro. Almíscar.

O perfume durou pouco, a paquera menos ainda. Mas o velho Abbey continuou lá, igual aos Beatles - forever. Com o tempo, foi virando relíquia. Era a primeira prensagem brasileira, edição rara. Passou a guardá-lo no fundo do maleiro e comprou uma outra cópia mais recente. Em vinil, é claro.

LADO 2
Londres, 2004.

- Não é essa a rua, pai. A gente deve ter errado o caminho.
- Como não? Olha o mapa, é aqui mesmo. Abbey Road, aqui estamos nós!
Não queria dar o braço a torcer, mas a dúvida do menino era sua também.
Viu que o lendário fusca branco, placa 28 IF, estacionado à esquerda na foto da capa, não estava mais lá. Ele pensou alto:
- E nem poderia estar...
- Falou alguma coisa, pai?
- Nada não, filho.
Notou que faixa de segurança era igual a todas as que ele já tinha visto. Que quase nada restava daquele cenário mítico. A maçaneta da porta do estúdio, que a Rita Lee lambeu com adoração devota, provavelmente já tinha sido várias vezes trocada. Com a capa do bolachão nas mãos, ele comparava a foto com aquilo que via agora. As árvores certamente deviam ser outras, o trânsito era mais intenso. O céu também não era azul como naquele agosto de 35 anos atrás. Tirou os sapatos, para sentir a textura do asfalto e alcançar o estado de graça que tanto ansiava. Estava lá, exatamente onde eles estiveram. Em frente ao estúdio onde gravaram quase toda a sua obra, e nada de atingir o nirvana. O coração não disparou, ele não suou frio, as pernas não tremeram. Percebeu que perto da sua casa existiam ruas mais parecidas com a Abbey Road do que a própria Abbey Road. Por alguns minutos ficou ali, parado, como que esperando uma resposta ao próprio desencanto. E deu-se conta que Abbey Road era uma rua que ele mesmo havia pavimentado, ligando os Beatles às suas vísceras.
Entregou a câmera para o filho e pediu que ele clicasse no momento em que atravessasse a rua. Esperaram que alguns carros passassem e fez o mesmo com o menino. Mas bem rápido, porque um bando de turistas barulhentos, trazidos por um guia de sobretudo marrom, já tomava conta de toda a faixa.

© Direitos Reservados
By Marcelo Pirajá Sguassábia

10 comments:

  1. Marcelo. Agora terei como meta, Londres...vc é o máximo! Adoro como escreve!! Bj

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  2. me senti atravessando a rua, ouvindo no fone, Don´t let me down... é uma das que que curto demais deles... ai ai ai...

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  3. Muito linda, Kiko...
    "It's a love that lasts forever
    It's a love that has no past"...

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  4. Gostei, gostei mto.
    Legal passar para os filhos esse amor de fã.
    E o vinil de Abbey Road, qta história pra contar...

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  5. Paty e Gica.
    Temos um blogueiro muito criativo entre nós! Um luxo mesmo!

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  6. jusciney:
    parabéns pela continuidade do blog!!!!
    bjs,
    messias

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  7. Oi Messiah, leonino igual ao meu blog..., ouça meu primeiro podcast aqui! Apareça muito mais mais! Bj

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  8. "Era um garoto que como eu, amava os BEATTLES e os Rolling Stones..."

    Tambéem quero viajar com você tiia!

    Carol :)

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  9. Gente amiga, muito obrigado pelos generosos comentários a esta minha despretensiosa homenagem aos Fab Four. E agradeço especialmente a você, Jusciney, por tantos e imerecidos elogios e pela oportunidade de ter um trabalho meu aqui no seu campeão de audiência. Um beijo.

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