27 November 2010

Minhas horas e meus cariocas

Bahia Press
17h15
Aconteceu numa quinta-feira. Trabalhei o dia inteiro, normal, como se nenhum evento mais tarde fosse acontecer. Viagem marcada para Bom Jesus da Lapa, às 18h50. Novas aulas de pós-graduação. Estava tudo mais ou menos cronometrado. Primeiro iria buscar a minha tia no Aeroporto, às 17h30, deixá-la em casa, terminar de arrumar a mala e seguir para rodoviária.
Já no aeroporto, o tempo parecia contrário às minhas intenções: pouso demorado, a bagagem na esteira, que não aparecia, carros demais na saída do estacionamento. Nunca tinha passado por isso. Ou seja,  meia hora perdida, não prevista inicialmente.
18h05
A Avenida Paralela estava mais lenta que uma tartaruga de barriga cheia, querendo dormir. Tive uma ideia, para não perder a hora da viagem. Acionei meu primo, filho da minha tia, que estava em meu apartamento. Enquanto eu falava, ele ia arrumando a minha bagagem.
- primo, não esquece, do secador e da escova...estão no lavabo!
- que mais, prima maluca? Está faltando alguma coisa?
Respondi que não e ri, internamente, pela sua voz alterada, que salientava ainda mais seu sotaque carioca.
Pedi que ele fosse de táxi, que nos encontraríamos lá e também para convencer o motorista a aguardar a passageira atrasada. Minha tia seguiu comigo, se culpando por ter me atrasado. Eu, tranquila, desconversei e mudamos o rumo da prosa. Ela me contou as novidades da família e, óbvio, do Rio de Janeiro. Uma coisa é certa: há certos engarrafamentos que nos permite matar as saudades de companhias queridas como a dela. Tive certeza disso, neste momento.
18h30
O trânsito estava lento, muito lento. A região do Iguatemi, onde se concentram as duas pistas, estava apinhada de carros, caminhões, motos, todas as frotas de ônibus e de táxi. Claro, era véspera de natal. Recebi outros telefonemas. Um amigo me ligou, pedindo indicações de filmes. Comentei os que estavam em cartaz. Marcamos um cinema na Sala do Museu, para semana seguinte. Meu ex também ligou. Queria discutir a relação. Discutimos, mais uma vez. Enquanto isso, minha tia, quase tendo um ataque de tanta ansiedade, ficava impressionada com minha calma, e sinalizava o ponteiro do relógio. E me perguntava:
-cadê a placa indicando a rodoviária?
Eu lhe respondi.
-Ali, tia, logo ali na frente!
Claro que estava mentindo. A aflição dela me deixava aflita!
18h45
Meu primo gritava ao celular. O sotaque estava ainda mais forte. Eu comentei isso com minha tia. Ela concordou.
- primo, segura o motorista, se deita no chão, faz algo bem louco aí! Avisa que eu  já estou chegando!
Mais uma tentativa de impedir que o ônibus partisse sem mim.
Enquanto isso, ele gritava mais alto, ao mesmo tempo em que interrompia, obviamente, para "dar as ordens ao motorista", gente boa e paciente.
E, do nada, o trânsito fluiu, e chegamos à rodoviária.
- eita, mais um milagre natalino...
- nossa "tia" (ela me chama assim), impressionante como você consegue dirigir, falar ao telefone, conversar coisas sérias e ainda discutir a relação...
- ai, tia, sou de aquário, com ascendente em aquário e lua em leão...deve ser isso!
- putz, eu  achei que a rodoviária não ia chegar nunca!
18h50
Deixei minha tia, com o carro aberto, me despedi e saí às pressas, correndo desgovernada.
Logo ientifiquei meu primo querido, com as mãos na cabeça, e minha bagagem no chão.
Gritei pro motorista:
- cheguei, me espera!!!!
Meu primo me abraçou, me chamou de 'prima maluca' de novo, e sumiu na multidão, para reencontrar a mãezona.
18h56
Antes de sentar em minha poltrona e encarar os outros passageiros, agradeci, meio sem graça.
Recebi um sorriso de volta, além de um café quente, água mineral, um cobertor de lã e o costumeiro desejo de boa viagem a todos! Ritual pronto, partimos.
Outro milagre natalino...
19h
Já acomodada, o meu coração pulsava mais forte. Muita adrenalina, neles e nessa viajante, que me tornei.
Definitivamente, percebi que eu, não por ser baiana, lido com o fator tempo de forma diferente deles. Não por eles serem cariocas. Mas o que isso importa? Em nada.
Temos o mesmo sangue e nos amamos, em tempo real...

7 comments:

  1. Se deita no chão... faz algo bem louco ai... Essa foi ótima! Adorei o post Jú. Beijo

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  2. Afff, eu quase tive um infarto só em ler, imagine se estivesse dirigindo o carro. Provavelmente teria bradado um festival de impropérios e esmurrado o volante durante todo o trajeto.

    Enfim, não tenho (mais) paciência pro trânsito de Salvador.

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  3. Admiro muito quem sabe lidar de forma tranquila com imprevistos, trãnsito e horários. Minha irmã é assim tbém. Se fosse comigo teria um filho de fórceps pelo nariz...rsrs Bjokas

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  4. Jú, vc é uma figura...
    adoro sua redação, bjs.

    Gmail by Déa (FTC-SSA)

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  5. Foi exatamente assim,lembro-me também,ainda bem que mentiu sobre a distancia da rodoviária,pois eu teria taquicardia e aquela "dor no estômago"que acomete nossa família diante de alguma urgência a resolver rs rs rs.
    Estou vendo que essa escritora tem uma memória e tanto!Parabens minha querida sobrinha,beijos.

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  6. Definitivamente é a descrição de uma aquariana, com ascendente em aquário! kkkk

    Sou geminiano com ascendente em gêmeos e sei como é gostar tanto do seu próprio signo! kkkk

    Normalmente sou plácido como vc. Mas se isso me acontece, eu já teria mandado todos ao meu redor à merda antes mesmo das 18hs! hahahaa

    Bejo!

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  7. Esqueci de comentar que isso é recorrente...rs..beijos em todos!

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