21 April 2011

Aonde canta o patativa

"Que sorrias, por noite de vigília"
Em plena madrugada, no raiar das primeiras horas da quinta-feira do feriadão, fui apresentada ao pássaro patativa. Até então, nunca tinha ouvido falar dele. Entre os céus nublados de Maceió, e os chuvosos de Salvador, fiquei inquieta, como um passarinho engaiolado, querendo a minha liberdade reprimida, na poltrona 17E, entre duas vizinhas caladas e distantes.
A história do taxista não me saía da cabeça.
Precisava de um teclado, do meu notebook. Tive que esperar. Aqui chegando, recusei a ida para a academia (muito previsível) e corri pra internet, para fuçar sobre essa ave, de nome esquisito. Na verdade, queria saber das suas semelhanças com o motorista de táxi, que me despejou suas impressões sobre sua vida, sua carreira, suas metas. E tudo, obviamente, porque lhe indaguei porque preferia trabalhar à noite.
- Eu vou confessar. Eu não gosto do trânsito.
- Hein? (perguntei meio incrédula, pois sempre apostei que nessa profissão, o que mais se gosta é da aventura de cruzar avenidas, vencer semáforos, manobras estratégicas, descolar atalhos, e, ao mesmo tempo, ser bom de batepapo, sentir orgulho de "ampliar a carteira de clientes");
- É, não gosto. Durante o dia, tem muito carro, muita confusão. Não suporto engarrafamentos. Então, à noite, faço meu trabalho, chego em casa, e durmo, o dia inteiro.
- Nossa, que estranho...você não se incomoda em perder os dias, dormindo?
- Minha mãe também me pergunta isso. Mas eu vou te explicar.
- Sim, conta...(a essa altura, eu já havia me esquecido que os vôos de madrugada são péssimos...o sono tinha ido embora, e a conversa fiada estava afiada..);
Ele contou como "iniciou" sua vida de taxista, de como os colegas lhe diziam que era uma vida dura, que dava pra uns trocados, mas que ele não conseguiria pagar suas contas...
- Olha só, eu tinha tudo para desistir, antes de começar a rodar como taxista. Primeiro porque me endividei. Tive que fazer o financiamento do primeiro carro, e trancar a faculdade;
- Oh, isso foi ruim...
- É, eu sei. Mas isso vai mudar. Eu ganho atualmente, melhor que um servidor público (ops), já paguei o carro financiado, já troquei de carro, e consegui juntar dinheiro e paguei a vista, este aqui.
- Nossa, esse é bom mesmo... tem banco de couro, né?
(ele sorriu, pelo retrovisor, nitidamente orgulhoso de sua conquista, de sua máquina);
- É, e vou te dizer mais....
Foi assim, que ele continuou narrando sua história, empolgadíssimo:
- Ano que vem, eu volto pra faculdade, e terei dois carros rodando, todos dois quitados! Eu trabalho de segunda a segunda, todas as noites. Meus colegas dizem que não preciso trabalhar tanto. Que nem patativa (que é um pássaro), tenho pra cuidar...
- Na minha terra, dizem que uma pessoa assim é sortuda, que pode alçar vôo, pois "não tem nem pinto, para dar água"...
- Pois é...mas não sou como meus colegas; eles fazem a meta pensando no valor que podem receber diariamente. A meta deles é o valor.
- Quanto?
- Cem reais. Se fizerem uma corrida de cinquenta, e depois duas de vinte e cinco, em seguida vão pra casa.... eu, não, a minha meta é o dia. Eu trabalho 12 horas por dia, e no ano que vem, não precisarei mais me sacrificar.
- Ai, chegamos...mas, veja, te desejo boa sorte.
- Ok, boa viagem e se chegar de madrugada, já sabe...
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Segundo uma pesquisa rápida que fiz, o patativa é um pássaro que sabe o que quer, tem momentos de pouso, para renovar suas penas, e canta melodiosamente bem...tanto que já inspirou músicos e poetas. Um deles, Casimiro de Abreu, escreveu As primaveras, cuja citação está associada à imagem do post.
Resultado: uma ida ao aeroporto pode resultar em conhecer novas melodias e o quanto somos diferentes, mas iguais...eu e ele somos dois patativas(:

5 comments:

  1. (Poesias à parte, ele esqueceu de mencionar que o perigo de madrugada é bem maior!!!)

    Bem vinda de volta, patativa, e cante bastante!

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  2. Amei! Taxista também é cultura...rsrs
    Quero ser igual o patativa...rsrs

    Feliz Páscoa Ju!

    Bjssssssssss de luz

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  3. Amiga viajante,
    Muito bacana essa analogia entre a patativa e o taxista (pelo jeito, um paulistano que nasceu em lugar errado)...
    Esse pássaro, patativa, já inspirou inclusive o nome artístico de um dos grandes expoentes do nordeste, o glorioso Patativa do Assaré. Um beijo grande e parabéns pelo ótimo texto.

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  4. Que essa cantoria traga sorte a ele e a você. Beijos

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  5. Pessoas queridas, a patativa aqui estava bem recolhida, e tenho certeza que me entendem...abraços!

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