7 April 2011

Coisas de Dona Zenaide

Ela tem quase oitenta anos. Viveu bastante o século 20. Viveu a ditadura. Hoje vive a democracia, e o século 21, com ares de adolescente, naquela fase gostosa de descobertas, quando tudo o que precisamos é encontrar boas oportunidades de diversão. E ela se diverte, mesmo. A ponto de ir dançar com as mesmas amigas, todas as quintas e sextas-feiras. Talvez aos sábados, também. Depende tão somente das atrações do lugar. Essa é a grande viagem de Dona Zenaide: dançar. Elas simplesmente marcam, agendam o táxi, racham a corrida de ida e de volta, e caem na dança. Não, ela não quer saber de cansaço, de colocar uma almofada gigante, daquelas ortopédicas, e estirar as pernas. Ela não quer saber de descansar, a ponto de ser considerada uma inválida. Essa palavra é muito forte. Ela é só validez. Valida tudo o que faz: da conversa com o porteiro do prédio aos diálogos mais que necessários com suas manicures, seu cabeleireiro, com as pessoas que circulam um simples salão de beleza. Claro que entrei para esse time. Não perderia meu tempo em falar sobre algo que não me afetou. Não desperdiçaria, também, a oportunidade de trazer pra cá, as melhores impressões dessa mulher falante, divertida, espirituosa, tão viva quanto o seu desejo de viver mais e mais. Impressionante como um simples encontro, assim do nada, sem estar programado, pode favorecer algum tipo de reflexão. Eu estava aérea, pensando sobre mim, do quanto estou atenta aos meus processos de crescimento e de envelhecimento. Estava ali, fazendo as unhas, quando ela adentrou o salão, com toda a sua vitalidade transpirando e contaminando o ambiente...
- Oh, Dona Zenaide!
- Pessoal, eu vou parar de andar com esse chaveiro! Todos pedem para apertá-lo. Vejam! (apertou o chaveiro de pelúcia, em formato de pato amarelo, e sorriu com o som, parecendo criança quando ganha brinquedo novo e se surpreende com seus efeitos sonoros)
- Ah, Dona Zenaide, só a senhora mesmo! E conta...vai que dia dançar? (nesse momento, eu já não prestava mais atenção em mim, já fazia tempo...estava de olho nela, admirando-a, por ela ser tão ela, tão autêntica e tão encantadora, mesmo com todas as rugas de expressão, pele flácida e voz frágil).
- Vou amanhã! Se esqueceu que marquei manicure pra hoje?
Não me contive. Estou em Maceió há exatos dois meses e um dia, e não me recordo de estar tão afoita para me preparar para uma saída noturna, muito menos com o objetivo de dançar. Então, ousei perguntar:
- A senhora vai pra onde, Dona Zenaide?
- Ah minha filha, vou pra o Buganvília. Lá é ótimo para dançar. Tem muita gente, muito casal, muito menino também. Mas eu danço sozinha, sabe? Porque quando me canso, sento em minha mesa, tomo uma bebida, como uma batata frita e depois volto pro salão, quando sinto vontade de dançar de novo.
- Ah, sim...
Fiquei pensando no meu fôlego, quase inexistente. Ela continuou, eufórica, com seus argumentos.
-  E se eu danço com um cavalheiro (achei lindo, isso), eu fico sem jeito de dizer pra ele que quero parar de dançar. Por isso, eu só danço só, porque assim, não fico sem graça e danço a hora que eu quiser!
- E é?
A minha pergunta, ao estilo alagoano de responder, foi mesmo de total surpresa, isso porque já me contaram que no Buganvília, as mulheres mais velhas pagam para dançar com os dançarinos contratados, no lugar. Em Salvador, tem um lugar similar, aliás dois. Não frequentei nenhum, por enquanto, mas sei que na melhor idade, vou acabar parando nesses espaços tão divertidos quanto democráticos...parece ser o canal da diversão, para quem quer continuar nos bailinhos...
- Sim, minha filha, você nunca foi lá? Menina, devia ir...suas pernas são lindas e precisa aproveitá-las...
Risos...
- Não, nunca fui...
- A cor vermelha ficou bem em suas unhas.....me diga, minha filha, sua sandália é confortável, não é?
- É sim.
- Ohhhhh deve ser ótima para dançar!
Eu apenas ri mais uma vez. Desta vez de mim, do quanto sou boba e limitada. Imagina...comprar uma sandália e pensar se ela serviria para dançar....nunca tive esse pensamento, tão estratégico...
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De verdade, quando me despedi dela, saí (mais) feliz, me sentindo mais leve, desejando chegar aos 70, 80... com essa segurança, com essa energia, com esse prazer pela vida.
Agora? Só penso em dançar...
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E é? (:

5 comments:

  1. Ah, Ju, nem danço tanto assim, mas sempre penso isso qdo compro uma sandália de festa.
    Dona Zenaide é inspiradora mesmo!

    bjs

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  2. Ju, tenho certeza que vc encontrou o meu clone da terceira idade. Sei que vou ser assim tbém: festeira, disposta e repleta de energia. Isso se minha coluna deixar...rsrsrs
    Viva a Dona Zenaide! Essa sabe viver e bem!

    Bjssssssssssssssssssssss

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  3. Essa velhinha é um sonho!!!! hahahahaha

    Um dia serei um tiozinho serelepe desse jeito! hahaha

    Muito bom o texto!

    Bejo!

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  4. Ju!!!!!!
    "Inda num conhece o Buga, não?
    Ôxe! Vamu desenrolar esse troço, muié!
    De quinta é bom demais!"
    Tá feito o convite pra exercitar as Zenaides que existem dentro de nós.
    Beijo!

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  5. Ohhhh...que bom que me convidou... vamos sim, Gê! Bj

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