28 September 2011

Cheiro de merenda

Enquanto as estagiárias realizam suas entrevistas, estou eu, aqui, sentada numa jardineira de pedra, no pátio da escola, campo de estágio em Gestão. Lá fora, o pipoqueiro faz a festa, com um montão de crianças à sua volta.

Ao meu lado, uma dessas, com seus 11 ou 12 anos, deposita seus biscoitos e sua água, num cantinho, e olha à sua volta. Parece procurar entretenimento, e sai à caça. Do outro, um grupo conversa, animadamente, enquanto o lanche não vem. À minha frente, mais estudantes. No meu fundo musical, ouço o burburinho de suas muitas vozes, os seus gritos, os seus passos, as suas corridas.


Uma garrafa de plástico, sem líquido, ensaia uma bola, e a partida nasce. A criança que buscava entretenimento retorna e de novo, passa a olhar para o nada. Ou para o tudo. Indecifrável o que sente. Parece triste. Parece entediada. Parece que está naquela fase estranha, que não se convence mais como criança, nem se sente adulta. Está na meia idade. Aquela, transitória como essa primavera toda que vivemos.

Uma criança curiosa chega perto de mim, e tenta ver o que estou fazendo, com o computador no colo. Eu olho, lhe presenteio com um sorriso. Ela parece entender que preciso da solidão. Essa talvez seja a minha limitação nesse mundo com tanta gente. Tem uma música dos Los Hermanos que trata disso. Tem outra de Adriana Calcanhotto que também fala disso. Não me lembro dos trechos, agora. Mas isso sequer importa. Um texto nasce assim: quando estou só, e percebo vida à minha volta. E cá entre nós, essa escola é cheia de vida!

A criança ao meu lado, continua aqui, adolescendo. Quero conhecê-la. E se ela se fechar como uma ostra, exatamente como fico quando quero pensar sobre mim? Paciência. Irei respeitá-la, como espero ser respeitada em meus limites, em minhas escolhas.

A bola da vez, no pátio, é feita de lata. Uma latinha de refrigerante, tão achatada que mal consegue ser movida com os pés dos moleques. Busco descobrir adultos entre eles e não há um sequer observando-os em seus tempos livres. Vai ver acreditam que este não é um lugar potencialmente carregado de possibilidades de aprender, exatamente como versam aquelas máximas dos discursos educacionais: "aprender a ser", "aprender a conviver...".

O primeiro sino toca, anunciando o fim da algazarra. Lentamente, começa a dispersão. O time dos vencedores, orgulhosos gritam juntos: "É campeão!"... aqui o futebol (também) lidera, independente de quantos jogam, e se jogam com a bola padrão, a de lata ou a de plástico.

Os adultos começam a aparecer, de volta aos seus trabalhos de segundo momento da tarde. A menina de braços cruzados, de olhar perdido, do meu lado permanece, muito calada. Outros gritam. Eu ensurdeço, por dois minutos. Ela se levanta, vai pra sua sala.  Não deu tempo de tentar uma aproximação. A sirene anunciou de vez, o fim do recreio.

4 comments:

  1. Oi, Ju!
    Hoje, conversando com Mariaugusta na hora do almoço, lembrávamos das nossas infâncias vividas nos pátios do ICEIA, colégio que estudamos (em épocas diferentes, claro). Nessa conversa, lembramos de tudo que você relatou sobre o recreio e me deu uma saudade danada daqueles momentos, que revivi agora, lendo seu texto.
    Beijo,
    Mari

    ReplyDelete
  2. Muito bom, Viajante! Estive a seu lado, vivendo cadacena que V.descreveu. Meu aplauso!
    Bj

    ReplyDelete
  3. Vejo essa cena cotidianamente e já não me encanto tanto quanto com seu texto, carregado de poesia.

    "Triste é viver só de solidão
    Pena de quem nunca esteve aqui
    Pra ver fazer dormir a noite"
    A Noite - Marcelo Camelo

    ReplyDelete
  4. Voltei no tempo. Bom de mais Jú! Beijo

    ReplyDelete