18 October 2011

Distância necessária

Apesar do cansaço, do ir e vir, decididamente, viajar me renova as baterias. Dias deliciosos em Conquista. E horas deliciosas na capital baiana.
E, hoje, já em Maceió, me bateu aquela vontade de escrever. E me lembrei que nunca mais havia me arriscado em 'cronicar'. Então, segue uma 'quase crônica', com gostinho de Bahia, terra abençoada pelos deuses do acarajé e do Dique do Tororó. E é preciso registrar: até daquele canal, meio fétido e meio lindo, sinto falta!
----
A imagem divertidinha, alegre, do desenho acima, difere muito da realidade que vivenciei na manhã de uma segunda-feira ensolarada, mesmo estando com a minha tensão de todo mês, acima do normal.
O cheiro de maresia no ar, o engarrafamento matinal, as lembranças da noite anterior, e toda uma expectativa pelas horas futuras. Assim estive eu.
Fechei a bagagem, desci e pedi um táxi na recepção. Aguardei no saguão do hotel. "Horário de verão infeliz". Praguejei, baixinho. Folheei os cadernos, ainda sonolenta, e li as manchetes, do maior jornal de circulação do estado. Me frustrei. Não havia nenhuma novidade, porque eu já tinha lido tudo, na internet móvel.
O problema é mesmo sério. Mundo de repetições. Não há mais novidades, que podem dar na praia? Será que os jornalistas estão perdidos? Será que o jornal impresso precisa buscar alternativas para uma convivência mais pacífica com o mundo virtual? Perguntarei essas coisas para Duda Rangel. Ele certamente dirá coisas brilhantes ou engraçadas sobre.
O táxi me tirou desses pensamentos, com sua buzina estridente.
E lá fui eu, saudosa de estar na terrinha, entre amigos queridos, com uma vontade absurda de estar em meu canto, e vendo essa cidade, pela minha varanda. Aquela que fica linda à luz da lua.
Assim que deu a partida, ele não se conteve e começou a resmungar, nitidamente muito irritado.
Reclamou dos motoristas imprudentes, que certamente compram suas carteiras, pois "não havia explicação para tantas barbeiragens, santo deus!"
Vislumbrou o futuro, como se tivesse uma bola mágica:
- Desse jeito, ele vai provocar um engavetamento!
- Como assim, por que?
Perguntei por perguntar, mas juro que não queria conversar com aquela criatura estressada. Meu dia tinha que ser lindo, como o sol lá no alto.
- A senhora não sabe? Tem que manter distância entre um carro e outro.
Ele falou com um certo sarcasmo, como se duvidasse que eu soubesse dirigir.
- A senhora, por acaso, sabe qual a distância que deve ser mantida entre um carro e outro?
- Ah, deve ser o suficiente para um não encostar no outro...
- Resposta errada!
- Hein?
Eu não acreditava na forma imperativa e espontânea, daquele sujeito sem noção...
- Você tem quanto tempo de carteira de motorista?
- Renovei no início do ano, por mais um bom tempo.
Resolvi me impor. Não adiantou.
- Qual é a distância?
- Tinha que saber decorado! Um metro e meio.
- Não sabia disso. Achei que precisava saber dirigir, não decorar coisas como essas.
- Você não fez o curso?
- Fiz.
Eu devia ter dito, não.
- Vai ter que fazer outro. Precisa saber de tudo!
Ele não sugeriu. Foi assim: uma ordem!
- E é?
Respondi, perguntando e me divertindo, com o meu sotaque alagoano já incorporado.
- Claro! Eu me aposentei ano passado. Mas fui avaliador do departamento de trânsito, por muitos anos. Os alunos sofriam comigo. Reprovei muitos. Você seria reprovada por mim!
- Eu?
Por mais que eu tentasse ignorá-lo, as alfinetadas na pele aumentaram...
- Me desculpa, senhora, mas tem que aprender essas coisas... o que você faria se estivesse sendo assaltada, e seu carro estivesse entre dois outros e não estivesse, com 1 metro e meio de afastamento dos dois carros?
- Não sei.
Entrei em pânico. Eu não saberia o que fazer! E se isso me acontecer? O que faço? Ai, meu deus... o cara tinha até perguntas de provas decoradas. E eu, triste, com vergonha e com medo de ser, assim, tão ignorante... coitada de mim!!
Mesmo percebendo o meu olhar aflito, pelo retrovisor, ele continuou a provocação...
- Pois é. Você precisa fazer o curso para aprender isso.
Não ia dar esse gostinho de 'você está certíssimo', mas juro que pensei comigo: vou me matricular hoje!
- Oba, já chegamos. É este prédio aqui, o azul.
Alívio imediato, parecido com aquela sensação feminina, quando uma cólica se despede do nosso corpo, pra sempre!
- Vou retirar sua mala...
Olhei pro taxímetro, paguei com raiva e sumi da visão do carro amarelo.

(...)

Sério. Não sei (mais) o que dizer desse diálogo-sermão travado com um desconhecido. Minto. Com o meu quase 'mestre' de direção defensiva.
Sei que, no dia anterior, na véspera dessa 'mini-aula' inusitada, quando ele tentou minar minha estima, por não saber 'certas coisas muito importantes', foi o dia do professor. Ele deve ter recebido vários telefonemas, de alunos saudosos das suas dicas autoritárias e quentes.
Creio que se tivesse sido o meu professor, lhe diria: ensinar se aprende, também. Tente novamente. Anos de prática lhe tiraram o essencial, e invisível aos olhos, aos ouvidos e ao coração: "ensinar é um ato de amorosidade, nunca de competição".
Estou apenas repetindo algo que acredito. Óbvio que não fui eu quem disse isso. Paulo Freire. Um dos seus livros, deveria estar a menos de 1 metro e meio das mãos do taxista mais metido a besta, que já cruzei pelo caminho. E eu?  Já estou bem longe dele! Pronto. Desabafei. Xô tpm.

4 comments:

  1. kkkkkkkkkk
    Todo mundo acha que dirige bem...
    (E aqui pra nós, aonde vc achou taxi amarelo em Salvador??? Ou essa história se passou em Nova Iorque?)

    Doida!!!!!!!!

    bj

    ReplyDelete
  2. Patiinha, me conhecendo como vc me conhece, acha que presto atenção na cor de um táxi real?? Não sei separar fantasia da realidade, quando escrevo... bj!

    ReplyDelete
  3. Esta é a minha amiga viajante me fazendo viajar junto nessas suas peripécias pra baixo e pra cima. Muito bom, um beijo pra você.

    ReplyDelete
  4. Olá, Viajante. Parabéns pela crônica. Quanto ao dilema do jornal impresso, que está perdidinho, perdidinho, coitado, acho que sua renovação é extremamente necessária. O impresso não pode competir com a internet. As empresas de comunicação e os jornalistas de impresso precisam buscar novas formas de contar histórias, mais aprofundadas e atraentes. Precisam reconquistar o leitor. As narrativas de hoje estão muito superficiais mesmo. É hora de mudança. Beijão.

    ReplyDelete