22 May 2012

Meu mundo submerso

Quase três meses de natação. Entre braçadas e voltas completas, toda vez que adentro a piscina me comprometo a pensar em nada. Mas desde os tempos em que pratiquei swásthya yôga, quando tive que ler toda a literatura do Mestre De Rose, que meditar tem sido coisa complexa, pra não dizer impossível. Quanto mais me obrigo a pensar em nada, mais penso sobre isso. O que é pensar em nada, mesmo? Não consigo entender essa máxima de que "pensando em nada, você medita, transcende, eleva seu pensamento".
E como não consigo pensar em nada, entre uma subida e outra para respirar, aproveito para filmar partículas da vida alheia, fora ou dentro da piscina. Adoro fazer isso. No avião, no aeroporto, no trânsito, sentada, em pé, numa fila do caixa de supermercado, nadando ou fazendo qualquer coisa que me conceda a liberdade de olhar, olhar, olhar. Isso sim, para mim, é uma viagem transcendental!
Amo observar posturas, trejeitos nos outros. Embora eu curta muito isso, não sou adepta do programa bbb. Nem coloco em maiúsculas para não valorizar. Não sinto a menor graça em acompanhar ninguém trancafiado, em busca de milhões e sexo fácil em edredons. Gosto mesmo é de observar gente simples, cenas simples, como as pessoas se relacionam num espaço que é coletivo.
No horário que nado, sempre até às 9h, tem umas espécimes muito interessantes. São 8 raias. Não seleciono em qual ficar, pois depende muito do dia da semana e de quem chega primeiro. Esse é um esporte que estimula a competição, mesmo. Impressionante como os olhares trocados entre os "praticantes" é de respeito, mas com um tom de "sou mais ágil" ou "nado mais voltas" ou "já sei nadar como uma borboleta".
Tem um senhor que sempre fica na raia número 7. Ninguém ousa chegar nela. Já é território dele. Ele não conversa com ninguém. Tem corpo atlético, usa pés de pato, nada muito, e é [muito] pedante. Faz o tipo "coroa enxuto", sabe? Nem adianta querer conhecê-lo. Ele só se dirige ao professor, obviamente para cobrar por limpeza da piscina ou coisas do tipo. Ele passou duas semanas fora de Maceió. A piscina estava mais leve sem a presença dele. Todos riam e festejavam a liberdade de poder fazer uso da raia 7, sem sobressaltos.
Tem também uma senhora que é muito figura. Durante o treino, faz rodopios e simula nado sincronizado. Ela se diverte na água! Do nada, vejo as pernas dela no ar, imitando as bailarinas das olimpíadas. E quando ela sai da piscina, fico mais impressionada ainda. Ela é sisuda, forte. Não me parece aquela brincalhona de antes. E me lembra uma tia-avó. Não tenho tia-avó, mas ela me lembra uma.
Nesse grupo matinal tem dois nadadores profissionais. Ou que querem ser profissionais. Não sei ao certo. Mas nadam muito mais que eu e meus comparsas. São diferentes em quase tudo. Da forma como mergulham à maneira como saem da piscina. Nadam duas horas por dia. São disciplinados, incansáveis. Certamente correm, fazem musculação, e seguem dieta balanceada. Me inspiro neles. Vez ou outra tento nadar na mesma velocidade e, claro, engulo muita água e fico no meio do caminho tossindo, desesperadamente. Parecem um casal de peixes. São leves, fluidos, esteticamente bonitos. Creio que o rapaz me paquera, mas só de longe. Será o que pensa de mim? Será que me observa ou só me olha? Claro que deve ser fantasia minha. Os óculos de natação nos deixam assim, com a visão meio turva. Avançado como é, creio que ele jamais paqueraria uma iniciante, que sequer sabe nadar de peito ou conhece a técnica da mariposa!
Não poderia deixar de comentar sobre os dois nadadores mirins. O centro da atenção do professor e de pessoas carentes de família, como eu. Literalmente babo por eles. Do maiô à touca de natação, tudo é rosa ou é azul, ou da barbie ou do homem aranha. Uma delícia de observar! Dá vontade de ficar ali, envolvida pela empolgação de cada um, festejando os pulinhos de alegria para cair logo na água, somados à felicidade de serem observados pelas mães atentas. Penso que toda criança deveria fazer natação, mas só se tivesse na borda, pais amorosos. É uma completude que transcende qualquer lógica. E saio sorridente, a cada nova aula. Me despeço deles assim: com mais um olhar de aprovação, por fazer parte desse universo líquido.

12 comments:

  1. Lembro de um desenho, o Fantástico mundo de Bob, em que ele vê tudo em perspectiva e tem um episódio sobre a piscina que é irmão dessa sua crônica. Ótimos!

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    1. Ohhhhhh que bom que gostou! Beijo, amiga!

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  2. Vim para no seu blog por acaso, para passar o tempo no trabalho , nunca comento mas essa definição de crianças na natação foi a mais perfeita que já li/ouvi .Coloquei meu menino de 7 anos e minha menina de 5 , e eles adoram a aula.Sempre levo e assisto a aula .Tenha filhos , vc será boa mãe , tem "sensibilidade " de sobra.Raphael/RJ

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    1. Que comentário mais surpreendente, vindo de um carioca que navegou e aqui chegou! Adorei a visita... volta mais e traga suas experiências com filhos.. de repente me empolgo!! Mas sei que pra ser mãe [ou pai] é preciso muito mais que sensibilidade... estou nessa armadilha de pensar demais... obrigada pelo incentivo!! Um abraço, Raphael!

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  3. Ai, amiga, lembrei de vc, observando pessoas, em qq lugar que fôssemos. E saía cada coisa...
    Gostei dos seus comparsas. Menos do coroa pedante, claro. Odeio gente pedante!

    Ah, e os mirins... lembrei de Bento, que faz natação e se acha "o peixinho". Acessórios azuis, ou do homem-aranha não lhe faltam!

    bjo, amiga.

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    1. Bento é fofooooooo e vc, coruja!!! Beijo, amiga!

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  4. Depois desta descrição da aula de natação o universo das piscinas se tornou muito mais rico para mim. Até pensei em entrar numa aula! Que avanço seria na minha vida...
    Beijos Jú!

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    1. Matricule-se JÁ! Nade na praia, na piscina do vizinho, do prédio em qualquer uma que seja tratada... nadar é essencial pra nos mantermos mais vivos!! Bj, querido!!

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  5. Ju, adorei seu texto! Muito gostoso imaginar essas pessoas pelo jeito que você descreve. Quando nadava em academia eu também adorava ficar criando historias possíveis sobre meus companheiros de piscina. É engraçado, pois como ficamos submersos quase todo tempo, acabamos nao conversando com os colegas. Mas não deixamos de imaginar como eles são. Beijo

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    1. Ohhh que bom!! Você é uma nadadora menos principiante que eu... risos... vamos procurar essa travessia por terras alagoanas... bj, queridona!

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  6. Viajei submerso neste seu texto, amiga viajante. E tive im tempo na vida em que meditava, sim, dentro da piscina. Ficava olhando pro céu boiando de costas, imóvel. Era bom. Seu texto me levou para aquela boa época. Um beijo agradecido.

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    1. Ohh por que não volta a nadar? Já pra piscina, Marcelo! Risos... Bj

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