21 February 2013

"Moça, olha só o que eu te escrevi..."

Observo que a porção romântica das pessoas tem sumido gradativamente. Há quem não preste mais atenção às diferentes luas e estrelas que habitam, nos diferentes céus. Há quem nem percebe a mudança no clima, nas plantas, na temperatura de um lugar, com a chegada de uma nova estação. Há quem nunca visualiza arco-íris num céu, como efeito da mistura de uma chuva fininha com um sol tímido.
Há quem não preste atenção nas palavras ditas, musicadas, sussurradas. Há quem não se sensibilize com um olhar de alguém, ou com um sorriso sapeca de um bebê. Há ainda pessoas e pessoas, desprovidas de toda e qualquer sensibilidade para "perceber que a estrada vai além do que se vê*", como lindamente nos diz uma canção.

Na minha percepção também falta romantismo nos filmes** atuais, nas novelas, nos seriados. Se duvidar, até nos recentes romances*** publicados. Só no exemplo do fenômeno de vendas, o livro 50 tons de cinza, percebemos essa ausência de forma excepcional. Exageram em cenas de apelo sexual, e [talvez por isso] muitos confundem amor com paixão.
A paixão queima. Dá febre, calafrios. Até dói senti-la. É um sentimento intenso, que entorpece, mas insustentável de ser mantido com o tempo. Creio ser impossível confundi-la com o amor, um sentimento que é perene, mas conquistado justamente com o andar da carruagem, com as sacas de sal que devem ser consumidas, numa relação amorosa. O amor é brando. Se for amor mesmo, não vai doer, mesmo que seja platônico.
E por toda essa ausência de boas referências e doses de romance no cinema, na literatura e na televisão, eu fico com cara de boba, quando em situações do cotidiano, eu recebo mensagens ou torpedos fofos e criativos. Um sorriso nasce em meu olhar e fico pensativa, querendo devolver com a mesma docilidade e provocar o mesmo encantamento.
O poder da leitura é mesmo inquestionável. Podemos passar da tristeza à euforia, e nos contagiarmos com o olhar de quem escreve. Os textos falados afetam, mas os escritos (palavras, imagens, símbolos) são mais poderosos, e não tão efêmeros.
Daí o hábito consagrado de gostar de estimular o [meu] romantismo ao escrever cartas, cartões, recados em espelhos, ou notas poéticas na geladeira. Tenho dezenas de cartas entregues pelo correio, e mais recentemente, enviadas por e-mails. Tenho ainda as muitas guardadas e não entregues, esquecidas num canto qualquer, num blog que nunca divulguei nem vou divulgar.
Também já assumi [com prazer] que sou a "redatora" oficial entre amigos, nas mensagens de aniversário, de pedidos de desculpas entre namorados que se distanciaram, e [pasmem] na entrega das flores em muitos velórios. A partir do que eu escrevi para terceiros já vi gente chorar, se emocionar, voltar atrás nas decisões impensadas. Sou até madrinha de um caso de amor que renasceu a partir da carta lida, que eu escrevi! Não é mágico isso? Eu penso que sim.
Uma cunhada que tive, certa vez recebeu um bouquet de rosas vermelhas do meu mano, e me ligou, imediatamente, ao invés de ligar pra ele. Foi difícil sustentar a mentira. Rimos do episódio e ficou tudo bem e ele foi perdoado, pela tentativa de encantá-la pelas palavras falseadas. Uma pena que não permaneceram juntos, já que era um amor tão visceral e bonito entre eles. Pena mesmo. Eu gosto de ser 'a' mediadora de tensões amorosas, em prol da reconciliação. Nunca me convocaram para escrever cartas de despedidas. Não valorizo separações.
Outro dia eu li sobre cartas de amor, no blog de uma amiga, no tropos líquidos. E fiquei pensando que uma carta de amor deveria ser algo como um segredo, a ser entregue e lida apenas para quem se destina. E deve ser no mínimo excitante [e fantástico] receber uma carta de amor, de repente, em meio a correspondências bancárias e contas a pagar. Fico imaginando receber uma carta dessas, totalmente inusitada, num dia qualquer, quando tudo parece normal demais, comum demais.
Eu gostaria de ser surpreendida, conquistada, seduzida. E teria que ser pela palavra escrita, já que amo tanto. Claro que atitude é tudo e valorizo mais que tudo, mas me envolvo emocionalmente, a partir do que me escrevem. Gosto de pensar a partir da perspectiva do pensamento do outro.
Essa comunicação, tão delicada, estimula o encontro dos corações, das almas. Por isso é bem possível de se identificar, numa escrita compartilhada, a paixão e a cumplicidade que crescem, os códigos secretos que vão nascendo; o desejo de entender o desejo do outro e tentar ir além do que se lê. É um troço gostoso, viciante, apaixonante.
Definitivamente confesso que eu gostaria de ser a destinatária, não a remetente. O alvo da declaração. É que já me declarei demais e talvez seria interessante viver [e fazer] diferente, já que o passado está posto e estou na nova idade. Preciso criar novos sonhos, novos desejos e uma carta endereçada e selada para mim, bem que poderia começar com o título desse post...

*Título e citação da música Além do que se vê. Álbum Ventura (2003)/Los Hermanos.
**Ai, já não se fazem romances como antigamente.  
Recomendo um livro perfeito, com muitas cartas de amor escritas:
O amor nos tempos de cólera, de Gabriel Garcia Marquez (2001), que resultou num filme perfeito (2007).
*** Me dou conta de mais dois filmes lindinhos e românticos, através de cartas entre os amantes: 
A casa do Lago (2006), um dos mais lindos que já assisti e,
P.S. Eu te amo (2007), disponível em livro (2012). 
A novela Lado a Lado também é ultra romântica. E o seriado Once Upon a Time é lindo de se ver! Juro que dá até vontade de ser A Branca de Neve mas, claro, sem os sete anões.

22 comments:

  1. Se por palavras e pelas palavras é possível conviver, entrelaçar pensamentos, desejos e ações, nada melhor que um texto, quase que um discurso, falado(pois a desenvoltura dos lábios parecem visíveis ao ler) para diferenciar pessoas únicas dos seres habitantes desse mundo cheio de imagens e sons que muitas vezes desiludem. Porém, existem momentos, existem pessoas, existem fatores que podem ser assim desligados para que um novo olhar seja possível, mas esse momento de agora, muitas vezes, foi reflexo de um passado e esse nao pode ser descartável e por isso, por mais que o coração seja tocado, um momento reflexivo deve existir. E por mais que não se queira, tenhamos calma, pois cada passo dado, mesmo com amor, deve ser um passo capaz de acompanhar um outro alguém também.
    Sem ou com sentido, meio que reflexivo... Parabéns.

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    1. Cúmplice que sou, vou usar o código que só você vai entender: "entendi". Risos... que lindo o que escreveu! Adorei! Volte mais vezes!

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  2. Luciana R. via FB21 February 2013 at 16:26

    Oi Ju! Acabei de ler
    Amei! Como vc circula com desenvoltura no mundo das palavras e sobretudo no universo dos sentimentos
    vc diz o que a gente sente mas nao consegue dizer com tamanha simplicidade... parabéns

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    1. Oh, Lu... é um prazer imenso que leia meus textos e, melhor, que goste do que lê. Um beijo, querida!

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  3. Que bom que o post te inspirou! Precisa ler Griffin e Sabine e as Cartas d'amor. Bj

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  4. Amiga,

    Entendo tudo que escreveu, vivemos isso na pele....e quando cansamos de esperar, e resolvemos dar uma guinada, la vem a pessoa descobrir que te ama, surgem do nada declarações, rosas e ai já é tarde demais....Por que a vida é assim!!!! Ser surpreendia no final também não vale a pena....
    Maíza

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    1. Neste seu caso, uma [falsa] carta de amor não vale a pena nem ser lida... é, a vida não é um filme... beijo, amiga!

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  5. Jú, que belo texto!!! Amei como sempre!!! Mas o mundo está mudando... Estamos na era de Aquário e esse momento é único!!! As pessoas estão se sensibilizando... Estão se permitindo amar...! Um beijo grande da sua amiga e eterna fã!!!

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  6. Nossa mãe do Céu!!!!!!!!!!!!!
    Quanta capacidade para ter com a escrita essa relação artesanal...Quando leio seus textos, a sensação é que estou diante de mãos que esculpem, de dedos que selecionam continhas para fzaer aquele lindo colar,de movimentos de feitura de uma casa, de um barco.
    Amiga, fico feliz por ter a possibilidade de enxergar, através da leitura de seu texto, o resultado dessa íntima relação de amor que você tem com as palavras...Delícia de escrita.
    Não esqueça: quero ser uma das primeiras a ter esse livro autografado. Será ele de crônicas do " Foi assim"? Será ele de cartas de amor? Xiiiiiiii, acho que a carta clama para ser resgatada por suas maõs, amiga. Afinal, se forem de amor, mesmo "ridículas"( Ah, Drummond maravilhoso), serão sempre eternizadas
    pela palavra.
    Não pare de escrever, Ju. Já ganhei o dia de hoje com esse texto-presente.
    Bj no coração,
    LINA

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    1. Lina hoje eu acordei com esses elogios rasgados e nada ridículos... risos... tenho recebido pequenas cartas, doses de carinho dos amigos queridos, só por causa desse bendito post! Ai, que alegria... beijo, miguxa!

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  7. Como consegue com simplicidade ir profundo nos mais diversos sentimentos! Qto a lua e as estrelas, adoooro! Depois te conto! Bjos e sds

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  8. eita pessoa visceral!!!
    Ela vai no fundo da questão... e uma frase, apenas uma que o traste escreve depois de meses de desvanecimento, desencadeia uma avalanche de palavras.
    Eu leio até os comentários, pra ver se os outros têm a mesma sensação que eu. rsrs

    UM bjo e deixa o endereço no final do post, quem sabe o objeto de desejo não aparece na caixa do correio...?

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    1. Patiinha... acertou em quase tudo... os personagens mudaram. Não sou mais aquela mocinha sonhadora. Beijo!

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  9. Oi Jusciney
    Amei seu blog, já vou ficando por aqui! Seu post ficou lindo. Também sou a favor do "amante a moda antiga, do tipo que ainda manda flores". Não brinca, A casa no Lago é um dos meus filmes preferidos, já assisti várias vezes, Keanu Reves e Sandra Bulok, se correspondendo por uma carta que viaja no tempo, eu até sonho em ter uma casa no lago por isso kkkkkkk. Once upon a time é meu seriado preferido também, eu adoro o garotinho o Henry, ele é tão corajoso! Passa no canal Sony toda quinta e reprisa no domingo, não perco um, está na segunda temporada.
    Bjos. Fique com Deus!
    http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br

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    1. Que legal que gostou e se identificou com o que escrevo. Volte sempre! Vou te visitar!! Um abraço.

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  10. Amo reler cartas de amor, elas alimentam a alma!

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    1. Isso mesmo, Paula. A alma é alimentada e o sentimento se fortalece.... beijo, querida!

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  11. Ju, infelizmente os românticos são classificados como bobos ou coisa do tipo. E isso tem até sido refletido em filmes, novelas, livros, enfim... E o poder da leitura é inquestionável msm. ótimo texto e boas dicas. bj

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    1. Pior que é isso mesmo. Sou sempre chamada e tratada como boba, como "sem noção", como "Alice", por ver e agir de forma romântica.
      Mas eu não deixarei meu romantismo acabar... e como diz Vander Lee, "românticos, uma espécie em extinção".

      Beijo e não deixe de ver esses filmes!

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