9 March 2013

"qui nem jiló"

Do que são feitas as saudades? Para mim são de tantos tipos, são tantas! Tão variadas, que me perco tentando entendê-las. Pior. Me destruo tentando aceitar as ausências. Especialmente hoje, numa noite de sábado qualquer, e cansada de tanto trabalho, me pergunto para que tanto sacrifício, por que viver longe, assim? Como manter-se emocionalmente estável, com tamanhas lacunas??

Queria ter um retentor dos cheiros e dos sabores da minha infância. Depois, reter os da minha adolescência. Em seguida, dos meus primeiros passos. E dos primeiros confrontos. Queria ter armazenado doses de memória daqueles anos dourados, em que convivi com a minha família, quando juntos vivíamos, grudadinhos, e não somente nas férias. 
Sinto saudade dos nossos dias de café, almoço e jantar, com todos reunidos. Da briga entre irmãos. Dos risos e choros. Das broncas de minha mãe. Das chegadas das viagens do meu pai. Como era gostoso abrir o portão para ele estacionar sua caminhonete, cedo ou tarde da noite! Como era prazeroso sentar à sua volta, e ouvi-lo contar histórias, aventuras e tropeços da vida de viajante que levava! 
Eu tento resgatar mais que esses sopros de lembrancinhas da família gigante que éramos. Até a minha avó Maria morava conosco! E nosso velho a tratava como mãe dele também. O tempo passa depressa demais. Minha memória está aos poucos me abandonando. Temo não visualizar mais o seu olhar sobre mim. Morro de medo de não lembrar mais da sua voz grossa, firme e autoritária. Me desconcerto ao perceber que não herdei sua habilidade com os números. Queria ter mais dele, do que eu tenho. Até na minha pele e nos contornos faciais, sinto falta dos seus traços fortes.
Talvez por isso o desejo inconsciente [?] pelo objeto da tese. Vou pesquisar sobre histórias de vida de mulheres negras. O meu pai era negro. Dignamente, batalhou muito para nos deixar um legado da sua trajetória. 
Claro que deixou. Sou a professora que ele tanto queria que eu fosse. Não sei se sente orgulho de mim. Se fica bravo comigo. Se quer me dizer algo e, eu, incompetentemente, não o escuto. 
Tento manter nossos diálogos silenciosos. Antes de dormir, sempre peço a ele proteção para mim, para a nossa mãe, para todos os meus afetos. Não sei se consegue ouvir minhas preces e agradecimentos. Do mundo espiritual, nada sei. Mas quando vejo um sorriso de um sobrinho, sei que está vendo, e retribui com um sorriso também. 
Assisti recentemente o filme A indomável sonhadora. A pequena-grande protagonista me fez chorar. Foi inevitável não me contaminar pela sua visão de mundo, aos 6. Me esforcei para adentrar em seu universo particular, dos sentimentos de frustração e fantasias pela ausência da mãe, e do outro lado, pela veneração e amor pelo pai. 
Quando numa sequência, ele lhe disse: "eu vou morrer... todos os pais morrem, sabia?" Ao que ela respondeu "não, não o meu pai!" me dei conta de que a vida é pura fragilidade; não controlamos os eventos nem os acasos. E fiquei mais saudosa ainda, que antes dessa sessão edipiana.
Por essas e outras sensações boas, eu sinto uma vontade absurda de reencontrá-lo, com a mesma vitalidade e alegria que tinha, em vida. Desejos! Queria tanto falar dos meus medos pra ele... queria que ele me dissesse o que fazer, como agir, quando [tantas vezes], não sei para onde ir e me sinto impotente. 
Sei que se eu pudesse entregar uma mensagem que realmente chegasse até o meu velho, lhe diria: "o senhor me deixou um grande buraco, profundo e impossível de ser preenchido. E ouvindo Luiz Gonzaga, me dei conta dessa saudade infinita e crescente, que já sei que não vai ter fim."
Ah, saudade, sua amarga! Doce é viajar nessa curta passagem de 12 anos, em que desfrutei da companhia do meu paizão. Então, saudade, o meu remédio é [te] escrever....


O título do post  "qui nem jiló" é título da música de Luiz Gonzaga, escrita em  1949.

20 comments:

  1. André C. via FB9 March 2013 at 20:45

    Que lindo texto, querida. Li e me emocionei porque tem um pouco da minha história aí também (com a sua licença, claro!). Às vezes acho que a saudade é perversa por me fazer voltar a um passado que quero presente. Talvez nem seja perversidade, o fato é que, paradoxalmente, acho isso bom. Lembro-me carinhosamente da minha infância e da minha adolescência. À minha memória cabe saudar o passado, mas não posso ficar nisso apenas... "Qui nem jiló" amarga, mas saboreio. / Beijão.

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    1. Obrigada, querido, pela leitura e pelo comentário, carregado de emoção. Beijo!

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  2. Oh Menina!!! Me emocionei também. Me peguei fazendo das suas parte de minhas lembranças, com meus pais e pensando em meus filhos.... Adoro a conversa na mesa. Os cheiros que me remetem a uma lembrança antiga, que eu nem sabia que estava lá.
    Imagino o buraco que seu pai deixou e fiquei pensando, que bom que sente esse buraco, porque é a marca que valeu a pena a presença dele em sua vida.

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    1. É, Déa... vai ver que sim... obrigada pelo carinho! Beijo, querida!!

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  3. Liiiiiindo texto, emocionante! Ahh, desabei junto com vc e eu bem sabia que isso aconteceria... As descrições sobre as memórias, a saudade constante e o desejo de estar juntos são tão reais que consegui ver as suas cenas e reviver as minhas!
    Agora entendo um pouco mais o significado de viajente..
    Esse sábado tem tom de saudade, que dói e aperta o peito..

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    1. Oh, que fofa... somos cúmplices, querida. Beijo e fica bem. Beijo!

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  4. Oi Macaxeira,

    Normalmente sou muito emotiva, mas esses dias com tantas mudanças na minha vida (e você sabe disso) estou muito mais... Feliz da vida por estar na minha cidade, com o meu povo... O meu amor chegando... Delícia! Associado a isso, a dor de deixar Maceió, com todas as perdas que isso significa... Aprendi a amar essa cidade encantadora, sua gente simples que me acolheu,a UFAL (com as dores e as delicias, os meus alunos/amigos, você e toda a nossa galera.

    Terminei de ler o seu texto aos prantos e me sentindo ainda mais parte da sua história... Me remeti a minha própria história e a importância da minha família na minha vida, a minha avó especialmente ... É bom trabalhar e seguir o nosso projeto de vida que é individual, mas é muito bom estar em familia com tudo o que isso significa: os afagos, os cheiros, as brigas, compartilhar o sabado a noite, depois de um dia longo de trabalho só para jogar conversa fora e estar mais junto...

    Quanto ao seu pai, com certeza deve estar feliz e orgulhoso vendo lá de cima a filha linda qua a vida lhe deu...Ele está por perto e te ouvindo dizer.. "Não sei andar sozinho por estas ruas... Sei do perigo que nos rodeia pelos caminhos... Não há sinal de paz, mas tudo me acalma no seu olhar... Você parece comigo..."

    Eu vou repetir a música que tenho cantado quando lembro de você "Descobri que te amo demais..." Por tudo: pela sua competência, pelo seu carinho(e carência tb :), pelo seu jeito dengoso, pela sua cumplicidade, pela sua cocada :) , pelas viagens (poucas) juntas, pelos seus textos que são também sua vida e que seguem me emocionando...

    Um bom domingo nessa cidade linda, amiga querida,

    Nanci

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    1. Nega, agora quem me fez chorar foi você, linda. "Descobri em você, minhas paz... e pra ganhar seu amor fiz mandinga"... risos... me diga aí, o dia da sua "despedida-surpresa" que faremos... risos... eu preciso organizar isso!! Beijo!!!

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  5. Que texto lindoooooooo *--* acho uma pena nem eu nem nenhum neto ter conhecido o tãoo saudoso vovo waldemar, que o chamamos assim, sem nunca termos chamado verdadeiramente :x
    mas a vida é isso tia, pelo menos ele deixou lembranças boas e filhos unidos, amorosos, e bem criados !
    beijos, saudades

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    1. Caco! O seu avô deve estar radiante de saber que os netos estão todos encaminhados... saudade, também!!! Bj

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  6. A saudade é assim, não tem pena, chega e fica.
    Eu acredito no reencontro das almas afins e te digo: não se apresse, pq esse dia vai chegar. Enquanto isso, vai vivendo suas viagens aqui.
    Seu paizinho já está no outro plano há 30 anos e com certeza pronto pra receber vcs.
    Mas na hora certa.

    Um bjo, amiga, preenche a vida com a luz dos amigos que vc conquistou aí nas Alagoas.

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    1. A saudade é uma praga... só aumenta com o passar dos dias.

      Mas tô tentando, amiga! Beijo grande e valeu pelas doces palavras!!

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  7. Mana..vc sempre retratando a saudade,palavrinha que não nos sai do pensamento!! Painho deixou um forte legado: sermos homens e mulheres honestas.. e que bom,é o que somos.Um abraço.. segura a saudade que já já nos reuniremos... e,manda ver nesta tese!!Bjss

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    1. Verdade... somos limpinhos... risos...te amo... logo nos veremos... passa logo, mês longooooooooooo

      bj

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  8. Uma das coisas que mais me atormenta na vida é justamente esta impermanência das lembranças. Te juro que eu queria ter uma máquina do tempo - para reviver momentos que, como você, também me são muito caros junto ao meu velho pai. Um beijo grande, amiga viajante, e parabéns por tão belo texto.

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    1. Ai, Marcelo... vamos pensar que conseguiremos marcar esse encontro para daqui um tempo, como disse a Patiinha... um tempo certo! Beijo, querido e mais uma vez, obrigada pela visita constante.

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  9. Irmã, convivi mais tempo com nosso pai e sei que ele há de estar feliz com os nossos progressos. Dele herdei o gosto pela política, pelo futebol,pelo trabalho honesto e os traços, a altura, a magreza.Ele gostaria muito de ter conhecido os netos. Arisleno, de tio Dì, foi o único neto emprestado que conviveu com ele.
    Fica bem, vai haver momentos pra nos encontrarmos mais. muitas saudades. Bjinhos de sua mana Lila que te amam muito!

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    1. Que lindo, irmana.... sei disso, e sei mais, você foi uma filha de sorte... esteve mais tempo com ele e pode nos lembrar o quanto ele honesto, embora rígido... beijo, te amo!

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  10. Ju, que texto tocante. Do início ao fim. Aliás, escrever sobre saudade sempre desperta sentimentos. Bons ou ruins. Beijos!

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    1. Obrigada, Sérgio!!! A saudade é um troço... nem dá para explicá-la... beijo!

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