4 May 2013

"como se a polícia andasse atrás de mim"

Estou com uma dificuldade quase irreversível para me concentrar no que devo. Fujo dos prazos, dos artigos para ler e avaliar, da tese ainda adormecida. Fujo consciente e passo a acompanhar seriados, novelas, filmes recém-lançados. Não por acaso, a maior das fugas desemboca aqui. É na escrita que me apego em tempos intragáveis. Nesses dias, é que não consigo produzir como deveria. Parece praga não sei de quem ou porque.
Que o mundinho azul é um vício nojento eu já sei. Que internet, à disposição no celular e em todos os cantos da casa, causa dependência, idem. Que televisão a cabo tem programas de todos os tipos, e para todos os gostos, e que em um deles a gente se encontra é fato consumado, todo mundo já sabe.
Que a vida não para, que o tempo não para, e que já estamos quase no inverno, isso sim causa espanto e até estranheza. Mal chegamos no outono e o mês de junho já desponta, cruel e vertiginosamente, como se a nós, só coubesse nos acomodarmos à pressa das luas e das marés, que se renovam numa velocidade assustadora.
E eu, no meio disso, estou meio letárgica, meio sonâmbula, com limites claros para dormir, acordar, estudar e trabalhar. Já no segundo ano do doutorado, com a pressão se desenhando aos poucos, e bem alheia ao meu desejo de estagnação.
Queria que tudo parasse junto comigo. Queria ter o poder de me mover e antecipar ações, enquanto a realidade se manteria em pausa. Queria apertar uma tecla mágica e realizar feitos via pensamento, sem ter que me levantar, suar ou tomar a iniciativa de dar o primeiro, muito menos os passos seguintes.
Andar, correr, pedalar ou nadar. Queria me transformar numa atleta maravilhosa, do dia para noite numa versão dinâmica de mim mesma. Sem precisar de conselhos de amigos, intrusos ou das revistas femininas impondo o quê ou quanto comer de calorias, carboidratos e proteínas.
Me sinto cada vez mais a menina Alice, a do país dos maravilhas. Odeio regras. Odeio padrões. Odeio controles. Não gosto de medidas, de pesos, de rótulos. Não suporto ser avaliada. E com isso, aprendi a não gostar mais de avaliar nem criticar nada nem ninguém.
Cada um de fato deveria saber sobre "a dor e a delícia de ser o que é", como musicou lindamente Caetano. Penso que não deveríamos seguir modelos. Não deveríamos nos sujeitar ao que querem de nós, para nós. Concordo até com a ordem das horas. Que temos que dormir 8, diariamente. Mas me desespero em ter que seguir tantas ordens: que precisamos beber muita água e que o sódio é ruim, que açúcar é um veneno, que carboidrato mata, que a melhor dieta é a francesa e blá-blá-blá...
Me sinto vigiada até por mim. Quer prisão maior que essa? Por ora, sou só conflitos pois percebi que em qualquer dos mundos viver não é nada fácil. Sendo criança, adolescente, adulto ou idoso. O mundo impõe leis e mandatos.
E mesmo quando eu estiver de olhos fechados, nas tais 8 horas saudáveis, tentando dormir, talvez eu não consiga mais sonhar com outra lógica de mundo. É que talvez eu não consiga mais me libertar. Sendo a Alice que venho me tornando, inevitável perguntar ao espelho: aonde é mesmo que encontro uma saída?


15 comments:

  1. Oi minha Ju, cada vez mais amada... Talvez a lógica não seja: aonde é mesmo que encontro uma saída? mas sim que existem muitas saídas e que cada um de nós tem que fazer a opção... Acho que a dor começa aí, sem saber onde ir, ou na tentativa de escolher a "melhor" opção... Eu tenho escolhido ir aonde o meu coração me chama, mas o bandido tem me pregado cada peça...mas sou nordestina e não desisto nunca.:)

    ReplyDelete
    Replies
    1. Que fofa, Nanci! Te admiro muito, pela sua coragem em desbravar lógicas e lógicas... o coração é o oráculo sim... e quero que fique bem claro, que portas e janelas estão escancaradas em mim... melhorando as perguntas: aonde vou parar? ou para aonde quero ir? Beijo, linda!

      Delete
    2. Sou sua fã de carteirinha...

      Que tal os textos do blog
      num livro? Fiquei viajando e vou estar na primeira fila para pegar autógrafo.

      Com amor,

      Nanci

      Delete
  2. Ju, sempre perdida docemente na poesia cotidiana, transformando sentimentos e dilemas em magia pra quem lê. Fiquem pensando na pergunta final... acho que o ópio está em não sair, em criar uma contraordem dentro da ordem,em ousare não se moldar... Bjo, minha amiga doce, Cris Pepe

    ReplyDelete
    Replies
    1. Que lindo, Cris! Depois eu que sou poeta! Veja só como você escreve bem, amiga! Tô daqui, tentando avaliar os TCCs... aff, um trauma. Bj, linda!

      Delete
  3. Poxa, Ju, gostei mto da reflexão. Vc sabe que há algum tempo eu me rendi à uma vida pacata e caseira, né?
    Isso tbm foi uma tentativa de me libertar das pressões externas por títulos e status. Mas o universo doméstico tbm tem suas amarras, cobranças e necessidades.
    Tbm ando correndo contra o tempo por aqui, com números, medidas e prazos me perseguindo.
    Se libertar parece quase impossível.
    Um bjo, amiga.

    ReplyDelete
    Replies
    1. "liberdade é pouco, o que eu quero não tem nome"... já dizia Clarice Lispector... risos... é por aí, amiga! Vamos seguindo.... beijo!

      Delete
  4. Ah, como eu queria que você deixasse um lugar pra eu assinar embaixo desse texto. Como é verdadeiro tudo isso...
    Um texto de desencanto, mas cheio da mais pura realidade. Um beijo, amiga viajante.

    ReplyDelete
    Replies
    1. Que fofo... eu deixo, sim!!! Risos... beijo!

      Delete
  5. Nossa, Ju, uma reflexão mais do que pertinente e de fácil identificação. Não consegue se libertar ou no fundo não quer se libertar? Ah, essa pergunta quase ninguém consegue responder.. bjão!

    ReplyDelete
    Replies
    1. Ai, ai... mais perguntas? Você está parecendo com o Coelho Branco, o amiguinho da Alice... risos... beijo!

      Delete
  6. ´, Ju...........................................................

    Eu, engendrando a mim mesma...
    - Alice, Alice - grito, mas espelhos não ouvem. Eles, os espelhos, vêem uma imagem em movimento - tão ao gosto dos cineastas das inúmeras câmeras mudas que nos filmam enquanto compramos coisas nas lojas dos shoppings centers da cidade.
    - Alice, a saída!!!!!!!!!!!!A entrada eu encontrei, bewitched, bothered e bewildered ... e a saída... donde está?
    (http://youtu.be/c0K780A8opc)

    ReplyDelete
    Replies
    1. Que fofa... adorei a música e sua chegada aqui, numa porta de acesso qualquer... risos... beijo, amiga!

      Delete
  7. Pois é, Ju........................................................

    -Alice, Alice - brado incansável.... tua saída, minha saída, nossa saída....
    A entrada encontrei... ah, se encontrei e estava, ainda por cima, "bewitched, bothered e bewildered".
    Cansei de escolhas e opções e portas e portinhas. Quando estou grande, encontro portas pequenas e não passo; quando estou pequena, cadê as portas, os portais? Cadê o portal? Sinto-me como no Elo Perdido. Algo entre "Elo Perdido" e "A ilha da fantasia". Quem mandou passar a infância na frente da televisão?
    http://youtu.be/c0K780A8opc

    ReplyDelete
    Replies
    1. Que delícia de imaginação, Deise!!! Adorei!!! Outro beijo!

      Delete