20 November 2013

a luta não é de hoje [ou a luta continua]

Acordei com esse 'título' na cabeça. Pensando em como me manifestaria no dia de hoje, dia da consciência negra no Brasil, já que me manifesto todos os dias. Eis que tenho o bloguito, para despejar minhas inquietações, meus devaneios, minhas tentativas de acalmar essa alma tão inquieta, e também esse coração, tão indignado com o andar da carruagem.

Muitos nem sabem os motivos que me levam a me manifestar em favor dos negros, o que significa ter de esclarecer de imediato: o meu manifesto é em favor da justiça social. Arriscam palpites e [até] opiniões descabidas, de forma irresponsável, sem conhecimento sobre o que dizem.
Não saber sobre o que se diz constitui-se pensar a partir, unicamente, do senso comum. Para conhecer [de verdade], isso sim, constitui-se a razão de ser de um problema de pesquisa.
Esse é um dos meus motivos. Por isso pesquiso. Para conhecer efetivamente sobre os problemas sociais desse país em que habito. Quero aprender sobre como posso contribuir, no âmbito da educação, a tornar esse nosso mundinho, um lugar digno e habitável para todos.
Se é utópico imaginar que a educação transforma, que seja. Quero acreditar que a educação pode estimular a emancipação dos homens. Quero crer que é papel da educação transformar, e não conservar realidades tão desiguais.
Busco me aprofundar nesse terreno árido, que cheira desprezo por uma população que veio subjugada, arrastada, escravizada. População essa que não teve direito à liberdade. Que não teve escolha de moradia. Que inventou comida [deliciosa] com restos, que adoeceu à céu aberto, que foi dizimada, violentada; que não foi à escola. Que foram tratados como coisa. Que foram vendidos como objetos. Que teve que aceitar [goela abaixo] jeitos de vestir, de falar, de andar, de comemorar dos brancos. Que sofreu aculturação. Que foi demonizada pelos seus ritos religiosos. E também por suas danças, por seus cantos, por suas tradições. Que não teve acesso aos espaços políticos, de poder.
Falo do passado? Claro que não. Infelizmente, quase tudo isso ainda está presente e arraigado em nossa sociedade, de norte a sul nesse país, que ainda teima em afirmar que todos são iguais e que há democracia racial. Só se for no discurso!
Se hoje negros e negras estão mais presentes nas novelas, no teatro, na universidade, no Planalto, para além do que é exótico, erótico, do futebol e da capoeira, é porque há homens e mulheres que continuam lutando bravamente para que sejam reconhecidos e valorizados. Para que tenhamos consciência do que foram e do que são e do que poderão ser.
São militantes que movimentam a sociedade, exigindo respeito, cuidado, atenção, acesso aos bens culturais. Direito à educação de qualidade. Direito à entrada pelo acesso principal, e não pelas laterais e pelos elevadores de serviço.
São sujeitos que querem e devem ter o direito a [re]escreverem suas próprias histórias, de cabeça erguida, conscientes das suas potencialidades. Conscientes de que sua cor não os diferem em potencialidades. Que sua cor e condição econômica não sejam associadas a tudo que fede, que é ruim, que é pequeno, que é inferior, que é feio, que é irrelevante, que está à margem de tudo.
O novembro é negro. O Brasil é negro. Zumbi e sua Dandara, todos os bravos guerreiros e as bravas guerreiras que não se sucumbiram aos desmandos dos dominadores inescrupulosos. Por isso o meu manifesto. Pela igualdade de oportunidades. Na educação, na política, na cultura, na saúde.
A cota é um mecanismo mínimo para reverter essa história controversa, injusta. A cota é uma estratégia de intervenção social em favor desta população. A cota é uma reparação, sim. Por danos causados. Por tudo o que lhes foi negado.
Se está sendo bem implementada ou não, trata-se de outro momento. Precisa ser avaliada, revista, ajustada. Precisa ser apresentada de forma responsável pelas instituições que adotaram. Precisa ser entendida pela sociedade, e especialmente, pela população a ser beneficiada. Isso inclui beneficiar a população constituída por negros, pardos e índios.
Minha indignação é contra o equívoco. Contra todos os espertos de plantão, que fazem uso indevido das cotas. Minha indignação é com a ampla concessão do governo federal em defesa da educação sendo tratada como mercadoria, totalizando mais de 85% de instituições de ensino superior com fins lucrativos. Minha indignação é contra essa valorização do ensino privado.
Sou a favor das cotas, mas não sou a favor de concessão de bolsas como FIES. Recurso imenso que poderia ser revertido para qualificar a educação pública, para investimento na carreira docente. Mais negros e mais negras ingressariam nas universidades públicas porque haveria mais vagas.
É uma pena que não seja feriado nacional. É uma pena que não tenhamos neste dia, momento para reflexão sobre a [de]formação do nosso povo. É uma pena que ao invés de refletirmos com seriedade, ganhem espaço na mídia apenas o circo. É uma pena que transformem Zumbi num ser lendário. Ele existiu. E junto com outros tantos [mais de trinta mil] fugiram e não aceitaram a condição de serem escravizados.
Penso que Zumbi é a referência maior que temos de liderança política e representa tanto os que lutaram quanto os que definharam; representa quem resistiu e quem desanimou. Representa a nossa gente. Representa a diversidade. Representa a democracia. Em seu estado mais puro e concreto. E ele morreu em 20 de novembro de 1695, exatamente aqui nas Alagoas, nesse estado caótico, com uma população negra que é todo dia marginalizada, agredida, esquecida, discriminada.
O meu manifesto é: basta de exclusão!

*Para saber mais sobre Zumbi dos Palmares e dados da realidade brasileira sobre preconceito e políticas de ações afirmativas, recomendo essas #dicasquentes:

Negro Belchior- Carta Capital 
GEMAA- Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa/ UERJ
Parque Memorial Quilombo dos Palmares
Geledés Instituto da Mulher Negra

Gameleira Sagrada Irôco- Lagoa Encantada dos Negros
Serra da Barriga- Quilombo dos Palmares
(arquivo pessoal resultante da visita técnica com um grupo da UFAL em 10/08/2013)



17 comments:

  1. Uma deliciosa leitura com base em fatos reais: uma verdadeira história de nossas revoltas... obrigado kika pelo texto delicioso

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  2. Álamo Pimentel via FB21 November 2013 at 09:15

    A luta a favor da Justiça Social é o que nos move, é o que nos une. Belo texto querida

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  3. Acordou inspirada. Tudo muito atual. Parabéns Ju. Eu já sofri e continuo sofrendo preconceito, mas meu grau de conhecimento quanto ao ser humano e suas limitações fazem com que isto não me afete tanto
    mas isto é real, nem vejo sentido em ser feriado em alguns estados, deveria ser dia de conscientização, de projetos que levassem a isto, a humanização... dia de ir pra praia, me poupe! ... festejar o que? o tom da pele?

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    1. Concordo Jan. O feriado não é aceito como data reflexiva. Qual que é mesmo? Nem no natal conseguimos esse feito. Beijo!!!

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  4. Cristiano Lima via FB21 November 2013 at 10:18

    Muito bom!!!, eu deveria ter ido conhecer o Quilombo dos Palmares, sempre fiquei adiando e o tempo passou e não fui...

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    1. Obrigada. Quando vier aqui, para essas bandas, combinamos um grupo... é um lugar mágico, com história viva de luta e muito sofrimento.

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    2. Cristiano Lima via FB21 November 2013 at 10:30

      Muito bom! aviso sim e vamos la!

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  5. Telma Vitória via Gmail21 November 2013 at 10:19

    Acabei de ler o texto.


    antes de comentar, sugiro você conhecer, se já não conhece, o CEERT: http://educarparaaigualdadeetnicoracial.ning.com/profile/CEERT

    Uma vez assisti palestra de uma pesquisadora do grupo, demonstrando como crianças negras de 4 anos de idade já assumem posturas diante de uma situação racista. Ou seja, crianças negras que já se posicionam diante das situações com posturas de subalternidade!!!!!!

    Não é o primeiro texto seu que eu leio. Creio que é o segundo.
    (Sabe que ainda não aderi ao mundo dos blogs e facebooks)
    Se me permite a opinião, acho que você escreve muito bem! Porém, darei-me a liberdade de fazer críticas, no ensejo do seu crescimento:

    Domínio da língua, mas não domínio total do pensamento. As ideias viajam... Como a viajante. Deixam pérolas no percurso, que só se fazem notar por um olhar muito acurado. Essas pérolas (ou diamantes) precisam de maior limpeza ou lapidação.

    Por um lado, na reorganização dos pensamentos, de forma a transformar o texto numa coesão de problema e proposta, ou de enigma e resposta (ou não). O texto apresenta todos os elementos, que poderiam ser reorganizados para torna-lo mais forte.

    Por outro lado, o texto evoca emoção com consciência e indignação, onde a emoção fala mais forte.
    A emoção é fundamental. Acho que seu blog pode estourar se você ampliar a consciência nas relações com tantas formas outras de discrimição, da barbárie humana tão sofisticada pela tecnologia e pelos discursos... Não sei, acho que uma conversa seria melhor para explicar o que quero dizer.

    Por enquanto, amiga, acho que você ainda não conseguiu expressar o que há de original em você.
    Peço perdão se estou sendo rude, mas acredito que há uma originalidade ainda a ser descoberta por você mesma!!!

    Seu texto ilumina a muitos, tenho certeza. Mas quero ver o que há de melhor em você na escrita, que ainda não vi.

    Ai!!! Pode mandar a bordoada!!!!
    Com carinho
    Telma

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    1. Oi Telma.
      Excelente retorno. São ensaios. Costumo dizer que blogar difere de escrever. Blogar é escrever com emoção, sem tanto zelo. Escrever é muito mais complexo, exige todos esses cuidados estéticos, inclusive.
      Me leia mais. Sua opinião é valiosa, sempre. Te admiro pelo ser humano que é. Cuidadoso até no momento de dar retorno....risos...

      Vamos conversar muito ainda!!!
      Um beijo!

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  6. Oi amiga,
    (Li o texto e me perdi aqui no comentário de Telma... rsrsrs Ela é sua orientadora?)
    apoio totalmente as políticas de ações afirmativas implantadas e concordo contigo que é preciso mecanismos para ajustá-las. Como eu trabalho na base (Ensino Fundamental) é lá que eu começo a despertar nos meninos e meninas da periferia a vontade de ir além, de querer mais e saber que é possível transformar a realidade em que vivem.
    Que venham as cotas nos concursos públicos!

    Um beijo.

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    1. Telma é uma amiga querida e super atenta. Show! Continue investindo em práticas de inclusão. Basta, basta, basta... beijo!

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  7. Grande texto, Ju! Assino embaixo. Só discordo sobre as cotas, porque não acho que negro com boa condição financeira mereça o benefício e sim quem realmente precisa. Não é pela cor e sim pela necessidade. Bjão!

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    1. A questão da cor é determinante sim, Sérgio, para os muitos jeitos de exclusão no Brasil. Analise imagens de formandos de Medicina... ou ainda, a quantidade de negros ou negras nas novelas e quais são as suas posições sociais. Não sei se sabe mas há incentivo político [uma luta] para inclusão de mais negros na televisão, no teatro... e entre os mais pobres, estão os negros. Se a cota está sendo usada por um negro rico, isso é desvio da sua função social. Casos que abomino. Beijo, querido!

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