28 March 2014

"...da gente na ondina"

Ela começou a acreditar que era filha do carnaval. Ele, provavelmente, nunca pensou sobre. Mas como nasceram no mesmo dia, certamente que os pais de um e do outro acertaram na proposta: garantir que os dois nascessem no mês da folia momesca. Eis que nasceram no carnaval. Ou melhor, no mês mais comum dessa festa que une gregos e troianos em torno de trios, blocos, danças, músicas, sons, batuques, maquiagens e fantasias. Fantasias? Sim. Toda a festa envolve fantasias. Das roupas, dos adereços. Nos olhos e nos corações de todo bom folião que se preza.
Se conheceram no meio de uma multidão, no primeiro dia oficial do desfile dos blocos, bem ali, no burburinho principal, e com a visão lateral para Baía de Todos os Santos. Seguiam cantando, dançando, bem distraídos. Mulheres de amarelo. Homens de azul. Protegidos por uma corda, puxada por centenas de cordeiros. Desprotegidos das surpresas.
Após muito pensar sobre o assunto, ela concluiu que nenhum ser humano está bem preparado para os acasos. Entende, também, que ninguém deveria estar pronto para um novo encontro amoroso. Nunca. Porque de acordo com essa lógica, a distração ajuda mais que atrapalha.
Por conta disso, ela se lembrou daquele espaço de tempo e confetes de serpentina, já com uma certa melancolia no coração.
Era noite naquela avenida apinhada de gente suada, que aos muitos goles, de todos os tipos de bebidas vendidas, tentavam se refrescar. Ou aprofundar ainda mais o calor dos corpos.
Ela buscava comprar uma cerveja. Não olhou para os lados. Olhava atenta para frente. Procurava o vendedor ambulante. Localizou e saiu em disparada, deixando para trás o seu grupo.
Já ele, ela não sabia sequer que ele existia, ainda. Mas talvez estivesse somente acompanhando o andar da carruagem, sem muitas pretensões naquele exato momento em que uma menina de flor amarela no cabelo, bateu a cabeça no freezer. Bem em sua frente, impedindo a sua passagem, inclusive.
Ela se virou com a mão na cabeça, soltando um "ai" de doer. Ele, muito gentil, perguntou se estava tudo bem.
- Dá um beijo pra passar a dor.
Ele lhe sorriu e aproximou seus lábios e arriscou um beijo.
- Obrigada. Agora vai passar!
Ele então mudou o lugar do beijo. E procurou os lábios dela.
Selaram o primeiro beijo. O primeiro de uma série, avenida a dentro.
Depois de muitos beijos e abraços trocados, se apresentaram. No carnaval isso é muito comum. Segundo a menina de flor amarela no cabelo, isso deveria ser comum em outros meses do ano. Ela explica. Não o fato de duas pessoas se beijarem, antes de trocar informações em forma de palavras. Mas dessa troca boa de energia e de química, entre desconhecidos. Segundo sua teoria, assim haveria mais pares. Ou menos desencontros e solidão.
Continuou matutando e bateu o martelo: mas é em fevereiro que isso acontece. É sim, um mês privilegiado. E era o mês deles. Dos dois que se descobriram pertencentes à uma mesma data de aniversário. De um mesmo signo. De tantas afinidades que há entre quem gosta de festejar a vida, caminhar de mãos dadas. De beijar com as bocas e com os braços.
Ficaram assim, entretidos, se olhando nos olhos, com conversas de pé de ouvido, meio sem sentido.
Ela lhe disse:
- Vou sentir saudades.
Ele retrucou:
- Não vai dar tempo. Não vamos mais nos separar.
Ela quis acreditar nessa fantasia. E foram felizes. Não para sempre. A realidade difere dos contos clássicos. Mas na percepção dela, fantasiar, quem sabe, poderia permitir novos reencontros. Ou novas promessas, que poderiam até ser cumpridas. Ou melhoradas.
Fato que quando ela se lembra dele, ela pensa numa música de carnaval. Aliás, em duas. Não, em três. Não, em quatro. Ah, numa quinta... ela pensa e repensa e conclui que todas as músicas carnavalescas lembram ele, já que ele, como ela, também é carnaval.
E foiassimdoispontos que ela resolveu narrar e relembrar o tom da saudosa da quarta-feira de cinzas. Com uma música bem bonitinha [e antiguinha] de uma banda de Salvador [Timbalada].

"o amor me pegou,
puro e verdadeiro,
vai durar, vai durar,
pra lá de fevereiro,
para quando chegar, a festa junina,
você vai se lembrar..."

8 comments:

  1. Amor de carnaval... muito belo e despretensioso!!! Como deveria ser todos os amores!!! Bju

    ReplyDelete
  2. Denis Pareja via FB29 March 2014 at 01:18

    Pois é Dª Viajante, Fevereiro o melhor mês do ano, muitas coisas boas acontecem nessa época, principalmente, quando permitimos.
    "É verão
    Sei lá
    Dá uma vontade boa de se dar
    Tempo bom de ser feliz
    Tempo bom de namorar...
    Deixar o amor tomando conta do meu coração".

    ReplyDelete
  3. Fiquei en Ondina uma vez, mas não era carnaval. Belo e sensual relato momesco, amiga viajante. Um beijo pra você.

    ReplyDelete
    Replies
    1. Ohhhhh... tente ir algum ano... o carnaval no Rio é maravilhoso. Em Recife também, mas na Bahia é um dos melhores. Em Ondina, tudo acontece... risos... beijo, querido!

      Delete
  4. Adorei, Ju. E na vida real não dá pra ser feliz pra sempre pq não estamos com a palavra fim do lado como nas histórias. Lá é fácil isso pq o livro acaba. Bjssss

    ReplyDelete
    Replies
    1. Obrigada, querido! Que outros não fins cheguem para todos nós... beijo!!

      Delete