9 April 2014

todas as mortes são suspeitas

Ele era muito jovem. Muito responsável. O tipo de aluno que até irrita um professor, de tanto que ele se fazia presente. Me mandava mensagem por e-mail, inbox no mundinho azul, torpedo, e, para completar, ligava logo em seguida, ansioso para saber se eu tinha recebido os recados e arquivos caprichados, que se empenhava em elaborar. Eu pensava com meus botões: será que ele pensa que eu não vou dar retorno? Como alguém não daria atenção a um ser humano tão atencioso e cuidadoso com sua formação?
Hoje ele partiu.
Assim, sem avisar e me dar um tchau e um "até quinta-feira, professora". Não me enviou nenhuma mensagem por e-mail, nem me acionou inbox no mundinho azul, e sequer um torpedo básico me mandou. E para completar a minha tristeza, não me ligou em seguida, para justificar porque foi embora.
Não há consolo para mortes desse tipo. Eu fugi do teclado, e de querer estar só nesse dia, que nosso querido e sorridente e futuro pedagogo-bibliotecário se foi. Demorei a acreditar. Ainda não acredito. Qualquer morte é suspeita. Suspeito de falhas médicas. Suspeito de falta de assistência. Suspeito de qualquer coisa, que possamos usar como desculpas razoáveis para uma morte que nem essa, desse ainda menino, mas já tão homem. 
Quando o meu pai morreu, todos nós suspeitávamos de que um dia descobriríamos [no prontuário do hospital] que houve alguma falha no acompanhamento, já que a cirurgia seria naquela semana e tudo estava sob suposto [ou suspeito] controle. Minha irmã, que é bibliotecária e cuida dos arquivos no mesmo hospital, teme chegar a letra W. Lá, em algum momento, ela chegará ao relatório de seu Waldemar de Carvalho Santana, que faleceu indevidamente numa madrugada de quarta-feira, do dia 15 de setembro de 1982.
Quando a minha avó morreu, todos nós suspeitamos das causas da sua morte, naquela Unidade de Terapia Intensiva que adentrava qualquer visitante, sem nenhuma higiene anterior. Lá, compreendemos que nada estava sob controle, nem supostamente.
Por essas e outras, de tantos casos que ouvimos, assistimos repetidamente nos canais televisivos, que concluo que todas as mortes são suspeitas. E horrorosas. Aquelas todas dos jovens de Santa Maria, na tal boate [sob suspeita da vigilância]; aquelas todas de balas perdidas; dos assassinatos de pais, mães, filhos; dos que perdem seus entes queridos em acidentes de trânsito; dos que perdem a vida porque consomem drogas, e não são amorosamente tratados; dos que "morrem por falta de hospitais"; dos que se suicidam. Dos que não suportam mais viver tristes e deprimidos. Todas as mortes são suspeitas. Todas.
Suspeito, querido Lanverli Simão, que você estava tão feliz, tão realizado, tão em paz, que resolveu partir assim, sem pesar prós e contras. Suspeito que não fazia ideia de que deixou uma comunidade inteira de amigos, parentes e colegas, com essa dor de doer até os ossos.
Não suspeito mais: eu tenho a plena certeza de que amaria te reencontrar no Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas, qualquer dia, e cobrar por atenção. Eu gostava de me irritar com você.
Não há consolo capaz de nos devolver a sua promissora vida. Mas agora descanse em paz. E se encontrar com meu velho e minha avó, fala da saudade que sinto deles. E fique sabendo que a minha saudade aumentou. Sentirei saudade de mais um que viaja sem me deixar o endereço, para aquela conversa leve e longas visitas cheias de abraços.


7 comments:

  1. Dani Lee, Petterson Swarovski, Rita Rocha e outras 26 pessoas curtiram isso.

    Angelica Santos Linda homenagem professora!
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    Jusciney Carvalho A gente acha que dá tudo da gente em sala de aula. Não imagina que vai passar por isso nunca.
    há 10 horas · Curtir · 2

    Giselly Lima Poxa, que triste, Ju!
    há 10 horas · Curtir (desfazer) · 1

    Dilma Santana Lindo o texto :(mas,como foi isso mesmo?!
    há 9 horas · Curtir (desfazer) · 1

    Jusciney Carvalho Durante uma endoscopia ele teve uma parada cardíaca e o socorro não chegou em tempo hábil.
    há 9 horas · Curtir · 1

    Dilma Santana Realmente...nunca ouvi falar sobre essa possibilidade. O que me diz, Licia D'Almeida?!
    há 9 horas · Curtir (desfazer) · 1

    Anamelea Campos Pinto Pois é Dilma Santana eu também não, mas como não sou da área médica... recolho-me a minha insignificância. De toda forma, a dor é muito grande.
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    Jany Hadassa Quanta sensibilidade Jusciney Carvalho, lindo demais seu texto.... Fiquei emocionada, bjooo no
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    Crislane Teixeira · 9 amigos em comum
    Lindo texto professora, infelizmente é verdade!
    há 7 horas · Curtir (desfazer) · 1

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  2. Oi Ju,

    Eu estou aqui aos prantos...

    Você já me fez chorar em outros texto, mas foram choros felizes entremeados com muitas risadas... Com este texto foi diferente! Recebi esta notícia com um e-mail de Ana e caí num pranto imediato; lendo o seu texto, isso se tornou mais intenso.

    Lanverly era daqueles alunos especiais... Aqueles que ultrapassam um certa "formalidade" da relação professor-aluno e se coloca na nossa vida por inteiro. São muitas lembranças: as nossa idas para casa no final da aula por volta das 22 hs.. O concurso que ele fez na Bahia e que ficávamos trocando figurinhas sobre ônibus, onde ficar... O período em que ele foi meu aluno e que ficavamos discutindo exaustivamente o seu projeto de pesquisa que tenho ainda hoje no meu computador... E por último ele foi o mensageiro da minha saída da UFAL ao me enviar o link da minha portaria para UFBA em março de 2013, tão gentil, tão cuidadoso, tão gente... São muitas lembranças! Gente como o Lanverly faz falta, deixa o mundo mais triste...

    O meu pranto aqui é solitário! Agora eu gostaria de estar em Maceió para falarmos do Lanverly, para chorarmos junto e para nos consolar dessa perda irreparável! Amo Maceió! Amo vocês! Com certeza Lanverly vai alegrar outra dimensões...

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    1. Muito triste, mesmo. Estamos muito mais aterrorizadas com os tratamentos que nós, totalmente submissos e impotentes, recebemos em hospitais e clínicas nas clínicas. Fica bem, amiga... e me desculpa por te fazer chorar. Beijo.

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  3. Deby Lee Outro, professora! Belas palavras mesmo. Conseguiu expressar tudo que eu(e muitos) queria dizer.
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  4. Alberto Monteiro Sinto... );
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  5. Somos tratados feito lixo quando mais precisamos, isso é um fato. E pior, até quem paga plano de saúde está destruído porque o atendimento está longe de ser merecedor de tanto dinheiro cobrado. Esse seu relato é triste demais! bjs

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    1. É triste mesmo. A realidade é muito triste. E, tristemente, esse aluno que faleceu, foi cedo demais. Não compreendo muita coisa ainda sobre a morte. Beijo!

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