17 April 2015

gerundiando (ou a gestão dos meus dias)

Estou atravessando o último ano do meu doutorado. Com todos os ruídos e motivos de sobra para dispersão, eu estou escrevendo os capítulos, desenvolvendo uma pesquisa de campo em paralelo, revendo a metodologia e planejando as etapas finais da tese, que pretendo que aconteçam entre junho e agosto. Também estou colaborando, com o mesmo entusiasmo, com um projeto de iniciação científica [PIBIC] na universidade em que trabalho. É conflitante e é delícia estar fazendo tudo ao mesmo tempo, mesmo sem qualquer financiamento. E tudo indo, assim mesmo, no gerúndio.
Todo mundo sabe que quem faz doutorado precisa de afastamento. Felizmente eu consegui por um ano. Estou aproveitando a oportunidade e me lancei na ideia de morar fora do meu país. Cheguei em Lisboa em setembro e estou morando, do outro lado do Atlântico, desde então. Estou morrendo de saudade da carne de sol, das delícias e dos temperos do meu nordeste. Aqui estou fazendo doutorado sanduíche e dele advém inúmeras responsabilidades asssumidas e aprovadas em cronograma, que segue até junho. São quase nove meses participando de seminários e palestras, de pesquisa, de estudos, leituras, de eventos e aulas que participo e que às vezes ministro. Já participei de alguns eventos internacionais. Estou sempre propondo e submetendo artigos. Tenho dois eventos novos previstos no Brasil, com resumos aprovados. Não tem sido nada fácil escrever, sob a tortura do tempo, além do frio no meu pescoço. Nem é fácil fazer uma retrospectiva, sob pena de esquecer algo. Ou não valorizar algo. Faço curso de inglês. Dois. Um pela internet e outro presencial. Fiz matrícula na academia perto de casa e comecei a pegar pesado na musculação. Logo desisti. Não que eu não precise.  Não gosto de pegar peso. Não gosto de nada que me obrigue a levantar algo que pode ficar parado. Eu deixei tudo lá parado e resolvi ganhar os ares [muito gelados] da rua. Assim, estou só caminhando. As caminhadas diárias entre a casa e o metrô, mais as tantas escadarias que forçosamente enfrento, todos os dias, me fizeram desistir das aulas enfadonhas. Enquanto isso, sigo gerenciando outras coisas: as novas viagens, a roupa que precisa ser lavada, a casa que precisa da faxina; a busca incessante por hospedagens mais baratas; os voos low cost. Estou sempre acompanhando as altas do euro e fazendo um esforço enorme para não enlouquecer com tanta desvalorização do real. Estou tentando não me contaminar com o português de Portugal e não me acostumar com a boa vida daqui, porque sei que tudo isso é passageiro e meu lugar é lindo, mas é diferente. Estou sempre me surpreendendo com as novas folhagens coloridas das árvores e comemorando a chegada da primavera e os raios de sol, como nunca antes. Continuo namorando a distância, dando muita atenção à minha família e aos meus amigos no Brasil. Venho recebendo os amigos e os familiares que me prometeram visita. Estou fazendo novos amigos. Com eles, vivo inventando formas de novos encontros. Ou de pequenas despedidas. Gostaria de ter mais tempo [ou menos culpa] para visitar mais cidades e passear em tardes ensolaradas, sem pressa. Não estou conseguindo. Mas tenho conseguido fazer algumas descobertas. Conheci algumas cidades e países da Europa. Conheci outros mares, outros rios... e um novo continente! Tenho buscado me informar sobre os rumos do Brasil e me interessado mais pelas tendências [preocupantes] da educação superior, no mundo todo. Ao mesmo tempo em que estou estou estudando, lendo e escrevendo, estou planejando a compra de um carro e a nova mudança, quando retornar para Maceió. Ando me preocupando com a vida dos gatos, dos moradores de rua, com os invisíveis. Tenho um vizinho que caminha pra lá e pra cá, perdido. Toda vez que o vejo, sigo ele, com o olhar perdido também. Fico pensando em seus problemas e como eu poderia ajudá-lo. Tudo em mim é pesado. No almoço, no cinema, no jantar, quando estou dentro de um metrô, ou fora dele, na estação, os pensamentos vivem me assaltando. Fico imaginando cenários, ouvindo vozes e vendo textos escritos por mim sobre a vida que estou tentando controlar, mas que corre desenfreada. E desejando escrever um livro [sem regras de ABNT], me debruçar sobre livros de literatura, ter um filho, adotar um cachorro, montar uma casa com meu cheiro e com meu gosto. Eu tenho andado cansada de tanto pensar, mas continuo sonhando muito.

8 comments:

  1. Belo texto. Mostra um momento muito importante de sua vida, que, certamente, a levará por caminhos interessantíssimos no futuro.
    Abraço,
    Daniel Cruz

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    1. Obrigada Daniel! Bom contar com sua torcida!! Beijoooo

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  2. Oi amiga,

    Texto lindo! Lindo como sempre! Dessa vez eu não chorei :), mas fiquei bastante emocionada... Fiquei pensando em Descartes a dizer "Penso, logo existo"... E refleti nas mudanças que se processaram na sua vida a partir do inicio do Doutorado... Você continua sonhadora como sempre e espero que os seus sonhos criem asas e que você seja sempre muito feliz... Isso é o que importa para nós, os amigos que te amam, que fazem parte dos seus sonhos e que torcem para que todos esses sonhos se transformem em realidade.
    Te amo minha Ju,
    Nanci

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    1. Oi Nanci! Amiga querida, obrigada pelas belas palavras de incentivo!! Beijo

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  3. Parabéns pelo excelente texto. Muito inspirador! Especialmente para quem no futuro próximo poderá vivenciar circunstâncias parecidas. Boa sorte nas andanças!

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    1. Oh... vai dar tudo certo, mas traga seus temperos na mala.. risos

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  4. Tire o máximo proveito dessa experiência única que você está vivendo, amiga viajante. Extraia tudo de bom que esse período puder te dar! Um beijo.

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    1. Tentando Marcelo... o problema é a vida suspensa... ando cansada de tanta mudança, querido. Beijo!

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