15 July 2015

sem boa noite

A chuva cessou. O movimento dos carros diminuiu. Os sons da madrugada praticamente desapareciam, anunciando que todos estavam dormindo. Nunca tinha pensado em quem não dorme, porque a rua não é lugar para dormir. O ritual de ir na geladeira, escolher entre um iogurte ou um copo de leite, tomar um banho morno, escovar os dentes, confirmar que a porta está trancada, apagar as luzes e, descansar as sandálias ao lado da cama, já convidativa, isso tudo não é uma linda realidade para todos.
Há quem tenta dormir no cimento frio. Há quem finge que o papelão é um travesseiro confortável. Mas, às cinco da manhã, o grito desesperado, de uma mulher aos prantos, que só repetia "MATA ISSO DE UMA VEZ!!!" me despertou para o sofrimento alheio. Segui a voz da súplica, e da minha varanda do 5 andar, avistei uma menina, de no máximo 16 anos, com a mão na barriga crescida, com cinco, seis meses de gestação. Fiquei desnorteada. Me senti impotente, egoísta, feia. Não fiz nada. Voltei para o meu mundo e tentei esquecer aquela visão tão agressiva e triste, logo ali, na calçada da farmácia que frequento. Não dormi mais. Ela, na sua rotina, talvez nunca tenha tido o privilégio de dormir. E o "isso" que ela queria que morresse? Seria uma referència a uma dor ou ao bebê em seu ventre? E quem a socorreu?? Para onde ela terá ido? Será que ainda está viva? Fui procurá-la com meus olhos culpados. O papelão sumiu. Seu quarto improvisado desapareceu. Os carros circulam calmamente. A chuva voltou.

2 comments:

  1. Triste quadro, heim. Como você vê, amiga viajante, depois de um longo período longe disso tudo, as coisas permanecem as mesmas. Piores, eu diria... Abraços!

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    1. Sim... piores... temos muitos desafios no nosso país!! Beijo, querido!

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