9 April 2017

ainda vivem um luto

A história dos dois começou com doses de troca de olhares. Na correria do trabalho, chegou um momento em que ela precisava admitir que buscava encontrar aquele par de olhos que a fitava profunda e longamente, até mesmo quando estava mais distraída.
Foi um tempo de muitas demandas para ambos. De atropelos. De prazos. O ano estava frenético. Parecia que tudo era urgente. E o que se passava entre eles também se fazia urgente viverem à exaustão.

Havia algo de proibido que impulsionava e que ao mesmo tempo os fazia recuar. Eram reféns do desejo, que já sinalizava ser cúmplice. Estavam presos às imposições sociais. Faziam de tudo para aparentar uma tranquilidade no fazer cotidiano, que nem de longe os pertencia.
E o tempo passou. E a paixão cresceu com o passar das horas, dos dias, dos meses. Antes, havia um controle de ambos. Depois, passaram a fingir que o controle estava garantido, que estavam salvos pela racionalidade.
É certo viver uma paixão proibida? É certo podar um sentimento? É certo não experimentar o incerto? O que reserva um futuro, que já se anuncia caos? Não é melhor evitar o caos? E o que sentiam, por certo, já não era um caos? Foram perguntas que se transformaram em grandes diálogos, grandes encontros, em grandes narrativas das mensagens que trocavam diariamente. Faziam longas cartas um pro outro. Cartas apaixonadas. Declaravam coisas lindas e fortes, sempre às escondidas, sem plateia, sem redes sociais. Através da escrita, construíram uma história de amor romântico, ficcional, quando juntos decidiram viver o sentimento como se fossem capazes de até anteciparem  suas emoções, já que não tinham coragem de enfrentar os riscos.
Foram meses discutindo a relação por vir. Por força do trabalho, eis que viajaram para um mesmo evento que estavam vinculados. A expectativa diante do afastamento da realidade, poderia ser a oportunidade que buscavam para estar a sós, longe de tudo o que lhes impedia de se olharem nos olhos, se tocarem, se aproximarem verdadeiramente.
As atividades da agenda, por outro lado, não favoreceram rapidamente esse momento. Dizem que a paixão cega. Dizem também que, quando há mesmo reciprocidade, o universo sempre conspira a favor. Uma música lembra ainda que "um bom encontro é de dois". Essa canção, talvez, seja uma parte da trilha sonora desse casal.
Eles romperam o silêncio. Romperam tudo o que combinaram não viver. Desistiram do medo. Desistiram de continuar a brincadeira de "quem esconde melhor?", num jogo amoroso e cada vez mais viciante contido nas inúmeras mensagens trocadas.
E, num ímpeto, criaram uma situação que os levassem para um merecido "encontro às claras". Após o jantar, que parecia não ter fim, combinando com o efeito desgastante do ciclo de palestras e dos reencontros com a equipe, eis que a oportunidade surgiu. Era novembro, mas fazia bastante frio, naquela região serrana do estado do Rio de Janeiro. Passava das 22h e as atividades do dia seguinte seriam ainda mais exaustivas. Ela decidiu despedir-se dos colegas e seguiu para o seu quarto. Ele, como sempre, a vigiava em todos os seus movimentos e aproveitou, num impulso a sua saída e lhe disse que também estava indo dormir.
Ela disse um "ok", seguido de um "então, vamos...". Sorriu, muito sem graça, fingindo total indiferença sobre quem caminhava ao seu lado, na saída do restaurante. Os dois andavam apressados, esbarrando-se um no ombro do outro; pareciam perdidos, mas felizes com a onda de coragem que tomou conta deles. E fugiram juntos, procurando um lugar ideal, que não pudessem ser apanhados de surpresa. À medida que caminhavam, quase correndo, os sorrisos se misturavam com a angústia de serem pegos sozinhos, num lugar sem iluminação.
Entre os parceiros do trabalho, já era bem evidente a atenção diferenciada. Já era também evidente o clima tenso entre os dois. Ela pensava sobre isso, recriminando-se por estar ali, e pior, por querer muito estar a sós com ele.
Por fim, conseguiram localizar um canto de penumbra, uma varanda solitária, situada no lado norte do hotel fazenda. A vista do local era mesmo linda. E aquele momento, único. E o calor que sentiam, e o desejo descontrolado, fez o beijo acontecer. Tudo o que evitaram que acontecesse, durante um longo período, foi desfeito e culminou também com o encontro dos corpos, já que as almas já estavam impregnadas de sonhos de um pelo outro.
Ela lembra que lhe disse, sussurrando: "bem que seu beijo poderia ser ruim"! Pensou que sendo ruim, seria muito mais fácil justificar um posterior e necessário distanciamento pela falta de atração física. Mas, pelo contrário, os beijos selavam o desejo mais profundo de se pertencerem. Era isso o que tanto temiam.
Bem verdade que viver um paixão, sem reservas, gera um medo absurdo de experienciar algo incontrolável. E eles viveram. E ficaram queimados. Arderam de prazer e também de dor. E claro, como toda grande paixão, um dia o fogo foi ficando brando, até que morreu. Restaram-lhes essa memória e as cinzas frias, que vez ou outra, lhes assombram os sonhos e as fantasias.

2 comments:

  1. A delicadeza do texto encanta e nos faz sentir tão humanamente bel@s por sermos afetuos@s e desejantes. Traz reflexões sobre a possibilidade de romper medos. Obrigada,Ju!!!

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  2. Bom dia Juba, você nasceu com o dom da escrita! Consegue transmitir através dela toda nossa história, fiz e faço parte da sua vida, quer queira ou não! ��

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