4 July 2020

desculpa a carta longa

Acordei decidindo não caminhar cedinho. O dia hoje pede mais isolamento. Mas o que é mais isolamento dentro de um isolamento? O que fazer com tantas memórias que sinto que estão se despedindo? Como manter a sua presença viva, se depois de 2 anos ainda nem consigo acreditar que não teremos mais você entre nós??
Eu me lembro que dormi no dia 3 de julho com a esperança de que você reagisse. No grupo solidário que criamos, soube da sua pneumonia adquirida por infecção hospitalar e pensei que no dia seguinte saberíamos da sua melhora.
Acordei super cedo e corri pra ver suas notícias no celular. Quando eu soube da sua partida, eu surtei. Surtei porque confiava em milagre. Surtei porque era muito difícil imaginar um mundo sem você.
Dois anos depois eu penso que eu surtei mesmo  porque eu fui muito egoísta naquele momento de tanta dor e de desespero.
Você estava sofrendo e eu não poderia querer te ver sofrer mais. Já entendi que viver não pode e nem deve ser às custas de sofrimento. Viver tem que ser com alegria. Viver tem que ser com saúde. Viver tem que ser com muito amor. Viver não pode ser vida vegetativa, ter cheiro de éter, não pode ser dentro de um quarto de hospital, longe dos que amamos.
A despeito do meu egoísmo, tentando ser mais empática, eu fico tentando imaginar como teria sido sua vida após o transplante, com todos os protocolos a seguir. Você iria morrer aos poucos. Você odiava remédio. Odiava ir a hospital. Odiava disciplina de ter que comer a comida certa, no horário certo. Você era a pessoa com intolerância à lactose que exagerava na pizza, no queijo, no leite com chocolate, no meu mugunzá. Então, viver, com tantas restrições, não seria fácil nem pra você e nem para nós, que estaríamos exaustos de tentar te animar e acreditar que tudo isso teria algum sentido.
Também tento imaginar Ana na pandemia. Ana assistindo esse desgoverno. Ana sem poder abraçar ninguém. Ana tensa e preocupada com seus filhos e sua neta do outro lado do oceano. Ana estressada por ser grupo de risco e ter que ficar isolada de todo mundo.
Não amiga, não ia ser bom e eu hoje, menos egoista, não ia querer ver você presa numa vida tão dolorida e angustiante.
Então foi o que tinha de ser. Nos privamos de conviver mais tempo contigo mas a vida te livrou de novos dissabores e angústias.
Dois anos depois eu só posso dizer que fiz o que pude para te ver feliz. Fiz o que pude pra te ajudar a sorrir. E você me fez sorrir muito. E por todos os nossos sorrisos e também por nossas lágrimas, que peço a Deus para que eu me acostume e consiga lidar melhor com sua ausência e consiga viver das boas lembranças do nosso convivo, da nossa irmandade. Hoje não tem foto. Hoje não tem imagem. Hoje só tenho esse isolamento cheio de saudade de você bem viva e saltitante.

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