22 September 2020

"com o tempo a gente se acostuma"

Coloco essa frase do título, tão certa de que seja verdade, entre parênteses, justamente porque é sempre assim que a escuto, de pessoas mais otimistas que eu. 
Fico me perguntando como estaria sua vida, minha irmã, se estivesse com o fígado novo. Como estaria encarando essa pandemia. Como estaria discursando sobre o ensino remoto, sendo pesquisadora da EaD. Como estaria sendo avó. Como estariam sendo suas férias, suas saudades, suas viagens, suas melancolias, suas tristezas, suas alegrias. 
Dois anos já se passaram. A (minha) verdade é que tenho sentido que o tempo passa muito depressa. O mundo mudou radicalmente desde a sua partida, Ana.
Uma partida tão repentina quanto absurda. O mundo não está melhor de se viver, amiga. O mundo está estranho, pesado, desumano. 
O ano 2020 já anuncia o seu fim, torto, doloroso mas quase pronto para receber as luzes e as vestes de natal pelas ruas, casas, prédios e shoppings, mas eu ainda não me acostumei com essa ausência, que tem dia que dói mais que o outro. Talvez nunca me acostume. Talvez eu não queira me acostumar. 
Você era a minha grande parceira que diariamente me animava com um "bom dia, Juju", combinava o almoço comigo, contava as novidades e se despedia com um "boa noite, minha irmã". Era tudo tão parte da nossa rotina que eu jamais imaginaria que em algum momento esse convívio deixaria de existir. 
Você adorava provar as minhas invencionices na cozinha. Era tão generosa que dizia que meu mugunzá era o melhor do mundo. E engolia coentro rindo, como se achasse uma delícia e até esquecia que tinha um gosto de sabão.
Sinto saudade de nossas diferenças. De como era bom conhecer, amar e respeitar alguém tão diferente de mim. Você me ensinou a ser diversa, como toda boa aquariana.
Essa carta é mais uma que despejo aqui, para falar do meu lamento. De tudo o que vem acontecendo comigo e eu não tenho mais você pra partilhar meus medos, meus segredos e meus pensamentos.
Sinto muito a sua ausência em meus dias. Queria saber como é sua vida agora, sem corpo, sem cabelo escovado, sem os cremes franceses. Queria saber o que sente, com quem conversa e como percebe a vida, depois da vida terrena. Queria muito poder conversar (de novo e de novo) sobre qualquer assunto com você.
Apareça em meus sonhos. Me conta tudo. Prometo só te ouvir até porque estou com muita saudade de sua voz.

10 comments:

  1. Quero também entrar nesse sonho só para ouvir mais uma vez: oi lindinho (com aquele doce sotaque paulista).

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  2. Sua amiga vive a vida dela agora em outro plano, Ju. E a saudade existe dos dois lados.

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    1. Deve sentir sim. Tento não ficar triste para ela seguir tranquila, mas tem dias bons e outros nem tanto... Beijo amiga!

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  3. Juju querida, Ana deve estar tão feliz com sua escrita. Que bom vc conseguir transmitir quão importante ela era e continua sendo p vc, amiga. Obrigada também, Aninha, por me apresentar a Ju e outras amigas tão queridas q hoje fazem parte da minha história. Amo vcs!

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    1. Oh Paolita! Gratidão mesmo! Ela dizia que precisávamos nos conhecer... muito amor!!

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  4. Jú, a presença de sua amiga e irmã Ana esta expressa no texto, vocês dividem a autoria dessa carta. O amor é a luz que vibra com vocês. Beijo e abraço. Lívia.

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    1. Obrigada amiga! Uma carta é sempre uma tentativa de diálogo com ela. Muita saudade de você! Beijo

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  5. Oi Juju, tudo bem?

    Li sua carta em momento de grande tristeza. Apesar de tudo, acredito que Ana esteve para nos ensinar a diversidade e se foi para colher mais expectadores. Eu não sei se os entes queridos se tornam anjos da guarda após a morte, mas me sinto muito protegido por Ana e sei que sua guarda é forte. Não tem um só dia da minha vida que eu não lembre ou alguém me recorde que Ana fez e faz parte da minha história... Isso é tão lindo, me conforta tanto que nem tenho palavras para agradecer essas belas lembranças. Eu amo a nossa Ana, com a mesma intensidade do "r" na palavra AMOR em seu sotaque paulista. Hoje, em específico, sinto uma enorme saudade, inclusive de como a vida era com a presença de Ana. Na verdade Ju, o meu ser canceriano habita o ser aquariano em Ana e vice versa. Saudades de você, do seu abraço e dos beijinhos que você levava para Ana e eu era obrigado a roubar alguns. Te amo, Ju!

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    1. Entendo perfeitamente suas emoções porque sinto muito parecido. A energia e o amor de Ana sempre estarão entre nós. Obrigada pelo carinho! Te amo, também!! Beijo

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