23 March 2021

Vacina já!

Parece tabuleiro com cartas marcadas. Quem morreu ontem? Quem morre hoje? Quem morrerá amanhã? Estamos sem fôlego, quase sem ar, como estão todas as famílias enlutadas que perdem seus afetos num piscar, como se fosse natural morrer logo após ter febre, falta de paladar, ser intubado ou apenas por estar esperando leito na UTI, ou seja, morrer sem sequer ser cuidado estando dentro de um hospital.

Eu posso falar por experiência própria. Até hoje quando lembro de Ana me lembro dela intubada, sem contato com ninguém, sem abrir os olhos, sem sorrir, sem poder falar o que certamente ficou engasgado por todos os dias que antecederam sua morte, numa espécie de coma induzido que acabou gerando infecções hospitalares tão oportunas num ambiente que não podemos adentrar.

Mas era outro tempo. Mesmo que por alguns minutinhos, nós tivemos a chance de tocar nela, conversar com ela, num monólogo que acreditamos que a fez nos escutar, ainda que não pudesse retribuir nosso carinho.

Só que tem um detalhe sinistro: Ana partiu sem que pudéssemos acompanhá-la num velório e a família optou por fazer a despedida dela, longe de nós, sua família construída em Alagoas, sua família do coração. 

Por isso as mortes pelo covid me parecem tão familiares. A intubação, a ausência da despedida na partida, a impotência diante do que acontece dentro de um hospital e a constatação de que a vida é mesmo um piscar e precisamos aceitar perdas mas não podemos nos acostumar com decisões erradas dos nossos governantes. 

Estamos, mais uma vez sem ministro efetivo. Temos dois que simplesmente disputam cargos e poder e um deles não pode ficar sem foro privilegiado sob pena de ter que pagar pelos seus crimes cometidos na gestão da pasta.

É um festival de atrocidades. É um genocídio consentido e uma tragédia muito anunciada. Chegaremos a 300 mil ainda essa semana. De certo teremos muito mais mortes, muito mais famílias impactadas por tantas perdas que poderiam ser evitadas. A vacina é a nossa única possibilidade de superarmos essa monstruosa pandemia. 

Por todas as vítimas, meu pesar e minha indignação como brasileira e também como servidora pública. 

É impossível não politizarmos esse momento. É impossível não responsabilizarmos o governo que disse ainda não estar convencido de que o problema é grave, que o covid é grave, que a pandemia está destruindo o Brasil.

8 comments:

  1. Sinto falta do velho normal e medo pq as mortes chegam cada vez mais perto. Só a vacinação em massa poderá nos ajudar realmente.

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  2. Também sinto falta! Até visitar um amigo ou parente no hospital era mais humano.... a gente está vivendo uma realidade muito surreal, muito desumana!! Vacina, já!!!

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  3. Genial seu texto e sua indignação. Compartilho com seu pesar pelas perdas das famílias e de um pais que agoniza sem os cuidados governamentais.
    A vida implora para continuar, enquanto o virus ceifa-a sem piedade.
    E tem gente que apoia o genocídio e a loucura.
    Estamos mesmo em tempos difíceis e só nos resta rezar para que a sanidade volte ao planeta.
    Parabéns!!!!!! Ótimo texto.
    Ana Pamponet

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    1. Oi Pampona! Por um mínimo de humanidade e sensatez... já estaríamos numa boa retomada para vivermos em sociedade! Beijo, querida. Obrigada pela leitura e comentário.

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  4. Um texto com a mistura dos sentimentos dolorosos, acolhedores, humanos. A sensibilidade é o que ainda representa um pouco da sanidade e senso de empatia que nos envolve diariamente. Que os receios, as dificuldades de 'visão' e de 'coerência', sejam mínimos, frente a a busca compartilhada por 'dias melhores', mais afetuosos. Fé. Força. Amor. Abraço pra você Ju!

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    1. Amiga... geralmente o que me afeta me move na escrita! Obrigada por vir aqui, me ler e ainda deixar uma mensagem tão afetuosa! Saudade!!

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  5. Texto tocante, foi como refazer caminhos ao seu lado, celebrando a vida.

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    1. Oh meu amigo! Que bom ser lida por você, que é um poeta, um grande escritor, que escreve com a alma. Te amo!!

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