26 July 2012

Um leão no aquário

A aeronave estava aterrissando e o piloto nos deu as boas vindas ao aeroporto Luís Eduardo Magalhães. Correção em tempo hábil: Aeroporto Dois de Julho, nome-presente para os saudosistas que entendem que Salvador é maior que uma família de políticos bem sucedidos e mandões.
Obviamente, como em toda aterrissagem bem sucedida, a comissária de bordo comentou sobre o tempo, horário local e procedimentos extras para os que continuariam em viagem.

Logo entendi que o cara da poltrona ao lado, meu vizinho de corredor, estava me paquerando, pois me olhou por cinquenta longos minutos, ou seja, o trajeto inteiro.
Relembrando a cena com ele, me garantiu que eu também o olhei, diversas vezes, razão de ter percebido a insistência do seu olhar sobre mim. Ok. Confesso que sim. Olhei muito pra ele. 
Na verdade, tentava entender porque invocou justamente comigo, viajante que não usa maquiagem, prefere roupas confortáveis a sensuais, que coloca tapa-olhos assim que o avião decola. Era mesmo incrível alguém me perceber, logo eu, tão aérea, como o ar das alturas, tão distraída, como a menina Alice, encantada com o "seu" país.  
Ele, por sua vez, me pareceu encantado por mim. A impressão que tive é que procurava uma forma de iniciar uma conversa comigo, antes que nos separássemos nas escadas rolantes da vida.
- Que horas são? 
contemplei com um sorriso no olhar, impressionada e desacreditando que aquilo de fato era uma cantada tão tosca quanto imprevisível, no meio de tanta gente desconhecida, cada um com seu destino, suas bagagens e loucos para descerem logo pela porta dianteira indicada.
- Meu relógio está com o horário de Maceió. Deve ser uma hora a menos, já que aqui não tem horário de verão.
- Ah... você mora em Maceió, então? Está aqui de férias ou a trabalho?
Antes de respondê-lo percebi que o horário correto pouco lhe importava, até porque sequer lhe disse qual era o errado.
- Vou passar o fim de semana, somente. Mas moro e trabalho em Maceió. E você?
- Ah, eu fico lá e cá. Trabalho numa empresa de engenharia e preciso estar sempre em Maceió, para acompanhar a obra.
Eu devo ter sinalizado que a paquera estava consentida, pois gostei do diálogo interessado, dos olhos nos olhos, da possibilidade de revê-lo novamente.
- Eu te ajudo!
O cavalheiro então levou minha mochila, e me deu passagem. E seguimos aeroporto a dentro trocando novas figurinhas e contatos telefônicos. Nos despedimos no desembarque e meia hora depois estávamos ao celular, combinando encontros e enviando mais torpedos que operadora desesperada com a vigilância da Anatel.
Passaram-se dias, luas, meses, quase um ano. Nos encontramos e nos desencontramos na mesma proporção. Nossa história me lembra um pouco um filme antiguinho, lá da década de 80, adorável ["O feitiço de Áquila"], tamanha a facilidade para garantirmos desencontros no tempo e no espaço. A ponto de ele chegar em Maceió, ou em Salvador, ou no Rio e eu partir desses mesmos lugares, nos mesmos segundos.
Ele é das exatas. Eu, das humanas. Ele entende de mapas, de carros, de edificações. Eu, novelas, sala de aula e blogs. O danado sabe calcular tudo, até o tempo que eu levo pra buzinar indevidamente. Gosta de caipiroska de limão. Eu, de morango. Gosta do dia. Eu, da noite. Casalzinho meio Eduardo e Mônica, em muitas características.
Claro que temos afinidades. Cumplicidades, também. Intimidades, certamente. Somos românticos, mas não em igual medida. Eu não suportaria, ao meu lado, outro ser com os dois pés na lua. Ele adora cozinhar e arrisca escrever, como eu. Gosta de me pirraçar. Eu aceito as provocações.
E é mesmo verdade que o ar aquecido provoca o fogo? Então, está explicado a teoria astral. Somos ar e fogo, elementos fortes, conflitantes, tensos. Eu, extrovertida. Ele, discreto.
Por isso tudo, falar dele é assim: falar de alguém querido, que me conquistou com sua falsa timidez, com sua espirituosidade, com seu bom senso e seu sorriso franco.
Não sei se continuaremos distantes fisicamente ou mais próximos da webcam e dos torpedos, líquidos e instigantes como nunca imaginei que se revelassem. Não faço ideia do que seremos nós dois no futuro, ou se haverá futuro para nós dois. Mas amo cada tentativa dele de me convencer que está correto e amo muito mais a forma como me respeita e me enche de elogios rasgados e beijos de amolecer as pernas.
Ele é muito bobo, como todo bom leonino, incluindo esse bloguito! Por falar nisso, me pediu um texto sobre nós dois. Finge que não é ciumento mas cobrou não ter se visto em nenhuma postagem lida. Se é vaidoso? Imagina se não? Risos...
Pronto. Está aqui, agora, eternizado, como nosso abraço ao inusitado, naquela bendita rota Maceió- Salvador. Somos opostos, sim, mas complementares. Ele cabe em mim. Eu caibo nele.  Só não entendo como.

"E quem um dia irá dizer,
que existe razão
 nas coisas feitas pelo coração,
e quem irá dizer, 
que não existe razão?" 
Renato Russo, em Eduardo e Mônica

13 comments:

  1. Lindo, lindo, lindo. Uma história especial, que foge a clichês e imposições sociais. O importante é o bem que vocês se fazem!

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    1. Fabi, querida, você sempre sensível e fofa! Se eu pudesse estender o tempo.... ah, quem dera... mas obrigada pelo comentário, rico e carinhoso!! Volta mais! Bj

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    1. Gica, se vc que é uma leonina acha que ele vai gostar, acredito que vai mesmo... risos... beijo!!

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    2. Risos... ah "ele" foi ótimo... risos... beijo, amiga-escritora! Saudade!!! Cheia de novidades da hora pra te contar... risos

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  3. O leonino, além de vaidoso, é exigente. Mas o texto tem ingredientes suficientes para agradar esse paladar refinado.

    bj, amiga

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    1. Bota exigente nisso! Mas essa aquariana aqui tb é... risos... pau a pau!! Risos.. Beijo, amiga!

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  4. Eh nada..bem legal o texto para o "cunhado" como diria a Lila...bjs irma..arrasando,sempre!! Boa sorte e mais boa sorte,eh o que lhe desejo!

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    1. "Cunhado" é um pouco demais... risos... mas, tá valendo... risos.... beijo, irmã!

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  5. Marcelo Sguassábia30 July 2012 at 13:13

    Minha amiga viajante parece ter encontrado sua cara metade. Evidentemente, entre malas e esteiras. Felicidades aos nômades e parabéns pelo texto, leve e sincero.

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    1. Cara metade, Marcelo? Nossa, e isso por acaso existe? Tenho dúvidas...risos... mas obrigada, pela torcida sincera e pela constância aqui... você é uma referência em crônicas leves. Beijo!

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  6. Tem bom humor? E beijos de amolecer as pernas? Aposte alto,então rs rs rs e a crônica ficou leve e faceira,acho que ele vai curtir muito. bjos

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    1. Ohhhhh...que fofa, minha Tia Lola, querida... saudade carioca dos nossos cafés e chopps, regados a diálogos hilários e conselhos amorosos mais hilários ainda... te amo!

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