12 July 2013

"Aqui está o seu troco, Senhor."

Você chega num posto de gasolina para abastecer seu carro. Olha para o lado. Consulta o relógio e vê que tem um tempinho livre, para gastar, enquanto os pneus são calibrados. Resolve sacar dinheiro, no caixa automático do seu banco, ali pertinho, à sua disposição. Ou resolve entrar na loja e comprar uma bebida. Um bombom de chocolate. Ou preservativos. Entra para dar tempo ao compromisso de mais adiante. Se distrai nas prateleiras, pensando no que precisa. Dedica cinco, dez, no máximo quinze minutos. Daí paga o que decidiu levar. E segue sua vida.

Dá a partida em seu veículo, e logo se esquece daquela loja que supriu a sua necessidade momentânea. Não lhe dá adeus. Não telefona depois, para saber sobre produtos novos ou promoções. Não procura saber se está bem frequentada, ou em plena decadência, ou como diriam os mais tradicionais, "mal das pernas".
Outro dia chega e você se dá conta: a loja fechou. No lugar, agora uma farmácia. Outras necessidades serão atendidas. Ou a loja fez uma reforma. Agora tem lanchonete, pão de queijo e café expresso. Que maravilha. Além de encher o tanque do carro, agora pode se reabastecer, até a próxima parada.
De novo, seguirá seus dias sem se importar com aquele espaço tão conveniente. Seu egoísmo não deixa que você se importe. Você segue, alheio a qualquer coisa que diga respeito àquelo pequeno comércio, ainda que seja convenientemente necessário, e muitas vezes, atraente.
Hoje, conversando com uma amiga querida, refletimos sobre nossas relações. As minhas e as dela. E comentei do meu desagrado com as relações estabelecidas mediante as conveniências: se me serve, eu me entrego, do contrário, me omito.
Definitivamente esse é um comportamento que abomino, sobretudo entre pessoas que se relacionam, seja qual for o tipo de relação- pessoal, amorosa, profissional. Até com a vizinhança, compreendo que não cabe abusar da boa vontade do outro. Me sinto agredida, para além de frustrada. Antes de aceitar o inaceitável [o fato de não merecer respeito], busco as justificativas. Procuro relevar. Aquela máxima pode até valer nesses casos: não podemos cobrar que as pessoas nos tratem como as tratamos.
Não acredito nisso. Não tolero isso. Meu desafeto se manifesta aos poucos. Dou uma chance. Depois dou outra. Chego no meu limite. Daí não há mais o que perdoar. Não há motivos para insistir. Munida de amor próprio, viajo para [bem] longe. Me distancio mesmo, ainda que sinta dor, saudade, angústia. Fico à espreita por reparos. Para que o outro volte e se explique. Seria bom, do nada, a pessoa aparecer, comparecer, retratar-se.
Lojas de conveniência existem em cada posto de combustível que se preze. Amizades, não. Você pode comprar álcool gel, carvão para churrasco e batata frita em muitos locais. Isso é uma verdade. Mas você não encontra, aos montes, amores verdadeiros. Você não encontra quem gosta de você e quer sua atenção e te dá atenção, assim, de forma tão conveniente. Claro, há parceiros sexuais que cobram, exatamente como nessas lojas multicoisas.
Mas, naquelas relações, em que a lógica econômica nem cabe, por GOD! Tenhamos mais cuidado. É que falta de atenção dói. Incomoda. Agride. Quando se lida com sentimento alheio, é necessário [ou conveniente?] se ter mais zelo. Duvido que alguém, com o mínimo de sensibilidade e inteligência, ainda não tenha entendido isso.
Meu manifesto: chega de descuidos. Já não os temos, suficientemente, na vida pública?

38 comments:

  1. Uma bela analogia, Ju.
    Esses seus recados são bem diretos para quem sabe o que está lendo. rsrs
    E quem trata afetos como lojas de conveniência não merece mesmo ter acesso.

    Um beijão.

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    1. Além de ler logo é a primeira a comentar... risos... obrigada, amiga! Também gostei!! ;)

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  2. Super curti, minha amiga!Dá-lhe bronca nos descompromissados!!! Adorei!

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    1. Ebaaaaaaaaa... valeu pela leitura! Super curti... risos

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  3. Ahhhh Ju - a viajante,
    Realmente, me identifico né? e a analogia não é apenas sexual, e ou amorosa, é das relações né? como a gente trata as pessoas como coisas descartáveis e convenientes. Ahh tá enquanto você aceita os abusos, descasos e falta de educação você serve, enquanto você dispor de todas as conveniencias da amizade serve vou visitá-lo, a hora que você não for mais uma lanchonete, virar farmácia sei lá mais o que, aí você se torna inconveniente! Muito bom fazer essa reflexão. kkkkkkk

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    1. É isso aí, Gi! O negócio está ficando cada dia mais feio... somos produtos... somos consumidores... eu cheguei no meu limite para aceitar isso. Não consigo dar conta de relações assim frágeis e desprovidas de afeto genuíno. Beijo, querida!

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  4. Ahhhh viajante!
    Sempre me identifico né? será por que? kkkkkk
    Verdade que a analogia não é apenas com a relação amor e sexo, é em relação a tudo, realmente as relações de amizades, camaradagem etc... no amor a gente pode curtir e se sentir indignado, mas demais a gente vira um chato quando cobramos fidelidade, carinho e respeito. É doido..., mas é isso, não estarei mais disponível como as lojas de conveniencias em postos de combustíveis kkkk!

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    1. Bom ter uma leitora, por aqui, que nem tu, Fabí... obrigada pelo carinho. Bj

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  6. Amei amiga!!! !!!

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  7. Daniel dos Santos via FB12 July 2013 at 14:14

    Ta certíssima!!!

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  8. Amiga, comentei no Blog, mas como não apareceu, vou comentar aqui de forma simplificada: Eu amo o que você escreve!!!!! E sim, você está coberta de razão!!!!

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    1. Let, nossa conversa me inspirou!!! Obrigada! Beijoooooooo...

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  9. Você tá demais! Ficando foda em analogias e contundências... Adorei! Beijo.

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    1. Risos... desabafar na escrita é minha terapia. É aqui que me liberto. Ufa. Beijo!!

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  10. texto mais que delicioso de se ler: é perfeito. diz muito de você, Kika, e revela a essência das relações: o cuidado com o outro, e acima de tudo, a responsabilidade da atenção.
    amei a leitura. me conforta. :D
    saudades de nossos papos Kika. beijo grande

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    1. Kiko!

      Legal ter lido e comentado... espero que esteja cada dia melhor. Beijo, com saudade também.

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  11. Cris Pepe via FB12 July 2013 at 18:44

    Amiga, tentei escrever novamente, mas não vai. Eu falava no meu comentário que seu texto me lembrou um livro lido recentemente: Amores líquidos, que fala dessa fluidez das relações na sociedade moderna, na qual as pessoas são consumidas como as mercadorias, sem tempo para consertos, apenas são trocadas por " modelos novos". Se tempo é dinheiro, bem ... chegamos aqui sem ele e qdo partirmos ele tbém não será necessário... Nos recusemos a sermos consumidos! Bjo

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    1. Oi Cris! Eu conheço esse livro. Eu tenho educação em tempos líquidos, que está emprestado... risos... beijo, amiga!

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  12. Adorei Ju....Disse tudo.....Vc e arte de escrever bem!!!!! Show amiga!!!! Maiza

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    1. Obrigada, Mai... vc é generosa nos elogios... aliás, todos... sou uma sortuda! Bj

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  13. Ju
    Seu texto nos faz refletir sobre a efemeridade que vivemos nos dias atuais,mas também mostra a preocupação constante em preservar pessoas que nos alegram a alma e o coração.
    Continue nos brindando com seus escritos e faça-nos refletir mais.
    (Edson/Cleuma)

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    1. Primos queridos, bom tê-los aqui! Pode deixar que vou tentar caprichar nos próximos... risos... escrevo com amor. Beijo nos dois!

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  14. Valdirzão via FB12 July 2013 at 20:46

    Disse tudo!!!! E mais um pouco!
    Nota 10!
    Bjo querida!

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    1. :) Valeu Valdirzão! Saudades!! Um beijo.

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  15. Enviei meu comentário, mas não sei se publicou...Afff... Foi isso q disse:
    Juba, mais um texto primoroso. Parabéns pela inspiração! Confesso q me machuco muito pouco com isso. Acho q não crio muita expectativa com essas amizades líquidas ou amores orbitais ou parentes q nem vejo. Alimento as amizades q me são caras de várias formas, reais ou virtuais. Os q não querem ficar, deixo ir. Adaptei-me a esse mundo louco e volátil. Vc é minha amiga querida e nossa amizade é mais forte q uma rocha! Bjssss

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  16. Anamelea via FB12 July 2013 at 21:53

    Lindo texto, melhor ainda foi ouvi-lo pela própria autora Jusciney Carvalho no almoço de hoje! Como disse meu aluno e companheiro de trabalho, prof. Marcos Antonio: " como você escreve bem, como gostaria de ter esse dom!" Parabéns.

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    1. Muito obrigada Ana, amiga querida, por tanto incentivo. :)

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  17. Neiza F. via FB13 July 2013 at 15:04

    Oi Ju espero q nao me ache deste tipo de pessoa. Prezo muito os amigos,mas sou engolida pela rotina... bj e bfs. A caminho de Istambul e ao encontro do meu Ziá. :)

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    1. Uau viajante em Istambul e parando pra ler o bloguito? Beijo amiga. Vai conhecer o seu Ziá em breve. Espero que eu também. ;)

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  18. Muito interessante o paralelo entre a loja de conveniência e o ser humano. Dessa vez minha amiga viajante resolveu "subir a serra" em seu trajeto! Muito bom, Ju. Um beijo.

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    1. Bom que gostou! Eu também gostei muito... ensaiava escrever e a hora chegou... com bons motivos sobre seres [in]convenientes. :) Beijo, querido!

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  19. Gostei, Ju. Aliás, é impossível discordar de qualquer coisa do que foi dita! Essa analogia que vc fez foi perfeita! bjão!

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