16 May 2020

longos e intermináveis dias de distâncias físicas

Dia 17 de março de 2020 começou de fato o meu isolamento físico. Este dia marca o momento em que parei de frequentar os muitos espaços da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, na minha licença capacitação. Estava naquele início de relacionamento, na paquera. De segunda a sexta acordava às 7h, preparava o meu café, me arrumava e seguia para a quase-nova-casa de trabalho. Eu chamo de paquera porque é nessa fase que passamos a conhecer, aos poucos, como tudo funciona numa nova relação.
Dia 16 de março, de 2020 véspera da suspensão das atividades presenciais na UFBA, em função da pandemia do coronavírus, eu passei a tarde inteira na Faced. Reencontrei novos colegas, trocamos afagos e conversamos olhos nos olhos, sem máscaras, sem cheiro de álcool gel no ar, sem tantos cuidados e distâncias uns dos outros. Naquele dia trabalhei com muito prazer, com outros integrantes na sala do grupo de pesquisa. Era como se soubesse que precisava exagerar na presença, sugar tudo de bom que um início de namoro pode nos agraciar. 
Dia 16 de maio de 2020, dois meses depois, cá estou eu, isolada na cidade que sempre foi como um abraço pra mim. O distanciamento físico machuca, incomoda, irrita e é insuportável de viver. Na solidão desses dias que se seguem estranhos, com doentes e vítimas sendo contabilizados, a gente acaba naturalizando e se acostumando com os zeros que crescem, com os números. Essa indiferença nos transforma em seres frios, sem empatia, incapazes de imaginar saídas menos violentas para essa crise que para além da pandemia, também revela a grave e trágica crise histórica da humanidade, sem precedentes.
E o que dizer de todos esses dias, quando abro os olhos e me deparo com um novo dia pela frente, quando acordo e penso nas tarefas, na rotina instaurada e repetitiva, sobre como vou enfrentar a vida dentro de casa e de mim, justamente quando me sinto muito mais egoísta?
O que dizer dessa realidade surreal e que me sinto impotente e alheia às misérias humanas? Como me voltar para meu umbigo, ciente de todos os meus privilégios, se lá fora a selvageria desse vírus invisível e devastador ceifa tantas vidas, tantos sonhos, tantas famílias? E como pensar na vida privada, quando o mundo aponta para tantos danos à vida em sociedade?
Essas contradições vão se acumulando, assim como as evidências do quão desiguais somos em relação aos direitos sociais que a maior parte da nossa população no mundo e particularmente no Brasil, seguem morrendo por não ter acesso digno.
Escrevo para me acalmar. Escrevo pra despejar nesse espaço ocioso na internet que estou triste, estou desesperançosa e me sentindo muito imprestável nesse momento, já que não consigo sequer bater panelas, tamanha a minha desilusão com o caos em curso. Não estou mais enamorada da Faced e me sinto quase separada da minha Bahia, daquela saudosa Bahia com suas gentes, seus cheiros de dendê, seus gestos e suas gírias. Estou no divórcio litigioso com a realidade. Estou de luto pelo meu país.



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